Hoje eu tô feliz
Matei o presidente.
- Gabriel o Pensador.
Em 2016 escrevi “O Homem Que Matou Luiz Inácio”. Era um conto longo (ou um romance curto) sobre um homem que decide matar outro chamado Luiz Inácio. Que, aliás, só aparece na história para morrer. Até porque meu interesse, enquanto ficcionista, não estava na vítima, e sim no assassino cuja motivação é claramente autodestrutiva. Na época, nem me dei ao trabalho de procurar editora. Publiquei online mesmo.
O contexto político era outro. Lula estava solto, mas todos sabiam que ele seria preso. E acho que Dilma ainda era presidente, mas isso não tem a menor importância. O que importa é que ainda vivíamos uma liberdade razoavelmente segura. Não só jurídica, mas sobretudo de pensamento. De consciência. O medo, se existia, era jocoso. Com um quê de fantasioso mesmo. Até porque ninguém jamais poderia imaginar que a esquerda, grande, tradicional e teoricamente defensora da liberdade e da democracia, pudesse querer instrumentalizar essas palavras para impor uma ditadura. Bom, pelo menos eu não imaginava. Mas é que sou ingênuo mesmo.
O fato é que, na época, cercado por solidão e progressistas à direita e à esquerda, e desejoso de ser lido por um mísero alguém, chateei meus amigos com cópias amadoras, diagramadas no Word e impressas num offset bem vagabundo. Alguns leram – ou disseram que leram. E nenhum deles deixou de falar comigo por causa da historieta e dos personagens marromeno reais nela envolvidos.
Pelo contrário. Um deles, escritor e crítico cujo nome omito por respeito à amizade perdida, reagiu assim ao livro: “Polza [era como ele me chamava], (...). O ‘Luiz Inacio’ é um primor de humor negro. Gela a espinha mais do que faz rir, e isso é o melhor dele. Dostoiévski manda lembranças. Desculpe ter demorado a ler, pior pra mim. Vê se não para de escrever”. O elogio exagerado, hoje, tem um gosto estranho. De saudade, mas também de confusão. Afinal, como foi que chegamos ao ponto de trocar as relações pessoais por um ou outro tapinha nas costas virtual?
Nunca tantos se deixaram corromper por tão pouco. Nunca tantos venderam tão barato a alma ao mundo. Nunca tantos se deixaram escravizar tão completamente pela opinião alheia.
Cafonamente subversivo
Não foi por vaidade, porém, que reproduzi as lisonjas hiperbólicas do ex-amigo; foi por causa da última frase da mensagem. “Não para de escrever”. Foi isso, a necessidade de renascer como escritor, o que me levou a escrever “O Homem Que Matou Luiz Inácio”. A história não tinha nenhuma intenção propagandística porque, para mim, a vilania de Lula era um fato dado e incontestável. Não era preciso convencer ninguém.
(Eu estava errado e aprendi isso depois de investir um dinheiro que eu não tinha em flyers a serem distribuídos diante da sede da Justiça Federal, aqui em Curitiba, durante um dos depoimentos de Lula a Sergio Moro. Na época, foi montado um grande esquema de segurança. Mas apareceu pouca gente. Me convenci do meu erro ao ser ameaçado por um homem que recebeu o flyer, viu a capa do livro, fez uma bolinha de papel e a jogou na minha cara, dizendo: “Cai fora daqui senão...” Arregalei os olhos e só então vi que sob a blusa preta ele vestia uma camiseta vermelha. Era apoiador do Luiz Inácio. Botei sebo nas canelas e).
O livrinho cumpriu seu papel. Depois dele, não parei de escrever e é por isso que você está aqui me lendo. (Aliás, obrigado!) Mais do que isso, foi graças a “O Homem Que Matou Luiz Inácio” que abandonei o texto empolado e dado a mesóclises e salamaleques e aprendi a me divertir com as palavras, as frases, os parágrafos e a pontuação. A escrever para os outros um texto que também me agrada. A ser responsavelmente irresponsável, formalmente informal e pretensiosamente despretensioso – ou seria despretensiosamente pretensioso?
Mas ano passado, diante da escalada autoritária do STF, sobretudo de Alexandre de Moraes, e por conselho de amigos que sabem melhor do que eu, retirei o livro das lojas virtuais. Ou melhor, da única loja virtual em que era possível encontrá-lo. Na ocasião, lembro bem, confesso que me senti ridículo. Precavido e zeloso demais. Talvez até um pouco covarde. Ao mesmo tempo, me senti cafonamente subversivo e meio embriagado de uma autoimportância paraguaia.
De qualquer modo, tirei. O que hoje em dia, com a Polícia Federal prendendo pessoas por conversas à toa em que expressam o desejo (não se sabe se real ou simbólico) de matar Lula, provou ter sido sobretudo um ato de inteligência. Casual, distraída, sem querer, mas ainda assim inteligência. Porque o medo e a ameaça são reais e o Brasil vive um processo de stalinização do discurso. Ou seja, o rei está nu e ninguém pode apontar o dedo para o ridículo da nudez dele.
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