Quando eu era criança e sonhava em virar repórter, me imaginava de plantão num hospital qualquer à espera do “primeiro bebê do ano”. Aquilo era, para mim, a notícia mais importante de qualquer noite de Réveillon. E eu ficava imaginando a responsabilidade que o “primeiro bebê do ano” carregava ao longo de toda a vida só por ter seu primeiro choro misturado aos rojões da virada.
A mística do “primeiro do ano” jamais se dissipou totalmente. Tanto que estou há três dias pensando no melhor tema para o meu primeiro texto de 2021. Este mesmo que você está lendo. Será que falo do mergulho de Jair Bolsonaro ou da polícia brasileira que andou usando balas de borracha e bombas de efeito moral para dispersar “aglomerações ilegais” por todo o litoral brasileiro?
Não. Não quero começar o ano falando de algo tão trivial quanto um mergulho no mar de uma pessoa que, por acaso e temporariamente, ocupa o cargo de chefe do Executivo. Tampouco quero ver meu primeiro texto contaminado por esse fascismo sanitário que, para minha surpresa, tem muitos admiradores – até uns que se dizem libertários.
Falar do endosso estatal ao aborto na Argentina também era uma possibilidade. Mas é um tema pesado demais para começar o ano. Além disso, e por mais que eu me esforçasse em meus argumentos, caprichasse nos malabarismos estilísticos e concluísse assim com uma frase destinada a virar tatuagem em pele de ex-aborteira, é bem provável que os leitores pró-vida me elogiassem e os pró-morte me xingassem ou, pior, me ignorassem.
Também me ocorreu falar de “Soul”, a bela animação da Pixar que tem até referência a David Foster Wallace no roteiro. Mas acho melhor adiar esse texto até conseguir resolver um enigma: como uma criança assiste a um desenho com referências tão maduras? E outro: se o desenho é voltado para adultos, será que isso indica uma infantilização do discurso filosófico? E por fim: estou viajando na maionese?
Palavra vai, palavra vem. E me ocorre pedir licença para usar este espaço nobre para falar de Jorge Amado. O velho e bom escritor baiano, comunista-raiz que chegou a escrever para um jornal nazista (sim, nazista!) enquanto vigia o Pacto Molotov–Ribbentrop, tamanha a sua lealdade a Stalin (leia Hitler-Stalin - O Pacto Maldito, de Joel Silveira e Geneton Moraes Neto). E, por acaso, um dos grandes nomes da nossa literatura, visto com maus olhos pelos críticos de ontem e de hoje, não por seus posicionamentos políticos.
E sim pela leveza e cores com que Amado sabia retratar a vida – mesmo a vida dos "oprimidos do mundo", para usar a velha terminologia marxista. Por causa do texto do meu colega Fábio Calsavara sobre o curioso Prêmio Stalin da Paz (o equivalente a chamar o concurso Miss México de Prêmio Frida Kahlo), saquei o “Dona Flor e Seus Dois Maridos” da estante e me pus a reler aquela prosa exuberante de uma das vozes mais contraditórias da nossa literatura. Sim, porque não dá para entender como alguém capaz de compor “Dona Flor” foi também capaz de defender um sistema que promovia uma estética tão cinza, fria, triste e inerte.
No mundo do comunismo identitário, Jorge Amado não tem mais lugar. A bem da verdade, nenhum nome da chamada esquerda festiva tem lugar nesse pesadelo. E não é por outro motivo que Amado, assim como Vinícius de Moraes, anda esquecido. Ambos são vistos apenas como homens brancos que usaram o machismo próprio e a negritude alheia para ganhar dinheiro. Crítica que, antevejo, se estenderá a Chico Buarque nos próximos anos. Pode favoritar e cobrar.
Seja você de direita, de esquerda, em cima do muro ou defensor de alguma causa transversal que não me ocorre por ora, vale muito a pena ler Jorge Amado. Nem que seja para entender por que todos aqueles personagens, antes sequestrados pela esquerda que malandramente lhes prometia casa, comida e roupa lavada, hoje em dia, 20 anos depois da morte de seu criador, rejeitariam qualquer tipo de controle estatal sobre suas vidas de pecadilhos, de dores e de prazeres.
E assim concluo o primeiro texto do ano. Melhor, da década! Não sem antes dar as boas-vindas a Joaquim Lucas, o sul-matogrossense que, pontualíssimo, nasceu à meia-noite de sexta-feira, dia 1º de janeiro de 2021, tornando-se o primeiro brasileiro do ano. Sinta-se à vontade e, por favor, não repare a bagunça.
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