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DEBATE CANDIDATOS PREFEITO SÃO PAULO
Você trocaria sua vida simples e talvez monótona pela participação nesse circo?| Foto: Reprodução

Assisti a alguns trechos do mais recente debate entre os candidatos à Prefeitura de São Paulo. Acusações, berros, trocadilhos mais e menos criativos – e intermediação de Amanda Klein. Claro que não poderia dar certo, se bem que nas circunstâncias atuais está difícil até de imaginar o que é certo. Foi aí que senti um nó na garganta e achei que era choro. Me enganei. Era uma pergunta, esta que faço a você: que tipo de gente se candidata a prefeito de São Paulo?

Afinal, você há de concordar comigo que é preciso um conjunto específico de valores morais, alguns deles bem pervertidinhos, para se sujeitar ao enlameado e caótico espetáculo da democracia contemporânea. E em troca do quê? Ah, claro, o futuro prefeito de São Paulo terá o privilégio de administrar o 3º. maior orçamento da União – mais de R$100 bilhões-com-b. Mas será isso mesmo um privilégio?

Privilégio?

Tenho cá minhas dúvidas, que compartilho com vocês. Oquei, digamos que você possa dispor como bem entender de R$100 bilhões de reais. Mas péra. Você não pode dispor como bem entender. Você depende dos vereadores, secretários e subprefeitos. E muitas vezes esse valor aí já está comprometido com decisões tomadas por prefeitos anteriores. Então lá se foi esse primeiro argumento e, com ele, todo um arsenal de boas intenções, sejam elas sinceras ou não.

Excluídos, pois, os ingênuos e bem-intencionados, restam aqueles que aceitam correr o risco de acabar num hospital por causa de uma cadeirada ou de ser xingado de estuprador, ladrão e usuário de drogas – tudo pelo privilégio de gerenciar uma cidade que abriga 11 milhões de almas. E aqui a pergunta “que tipo de gente” se metamorfoseará num belo e colorido “porquê”, só que separado e acompanhado do necessário ponto de interrogação.

Por quê?

Então vamos lá: por que alguém se candidataria à Prefeitura de São Paulo? E, antes que você diga que é pelo salário de R$38 mil, convém lembrar que Tabata Amaral e Guilherme Boulos ganham R$46 mil como deputados federais. Já Datena chegou a ganhar R$1 milhão por mês como apresentador da Band. Então nem mesmo o mais mesquinho e materialista dos argumentos, o do salário, me convence de que vale a pena trocar a paz de espírito pelo cargo de prefeito de São Paulo ou de Serra da Saudade (MG).

Por falar nisso, e supondo que dinheiro não seja exatamente um problema a tirar seu sono, você trocaria sua vida pequena e discreta, talvez até um pouco monótona e repetitiva, pelos holofotes da política? Para andar com seguranças armados, para atrair inimigos poderosos e perigosos, para despertar a inveja em gente inescrupulosa, para ter absolutamente todas as suas opiniões e decisões questionadas e contestadas pelos rivais e para viver cotidianamente a frustração dos problemas impossíveis de resolver? Não, obrigado.

Incredulidade

Sem querer, acho que com esses poucos parágrafos acima encontrei a resposta para um mistério que me intriga há anos: por que a política atrai tanta gente ruim? Ruim no sentido, digamos, técnico. E ruim no sentido do caráter. Gente que faz, e mal, a ruindade que intencionalmente  se dispõe a fazer. É por isso: além de um dindinzinho e meia dúzia de privilégios cafonas, a política não oferece outra coisa que não um poder ilusório e a promessa mentirosa de satisfazer um insaciável apetite narcisista.

E, de quebra, respondi à pergunta-título de um texto confessadamente contaminado pela incredulidade de que tenhamos, na política brasileira contemporânea, homens dispostos a submeterem sua honra ao martírio espetaculoso típico do nosso tempo. E ainda por cima em troca de um sacrifício: o de se doar desinteressadamente por seus semelhantes. Infelizmente é mais fácil acreditar no boitatá*.

* Alô, Marina Silva. Acabei de descobrir que o boitatá é uma serpente de fogo – de fogo! – que protege os animais e as matas. Que tal pôr a culpa nele da próxima vez que a senhora precisar inventar uma desculpa para as queimadas, hein?

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