No fim de semana, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, confirmou a indicação de Amy Coney Barrett para a Suprema Corte do país. Se o Senado aprovar, e tudo leva a crer que aprovará, ela vai assumir o lugar ocupado por Ruth Ginsburg. É, eu sei. O assunto é ultra-aborrecido e, em condições normais de temperatura e pressão, mereceria apenas uma nota com uma breve biografia da indicada.
Mas vivemos tempos ultraturbulentos, você sabe. E até a indicação de uma juíza para a Suprema Corte dos Estados Unidos, cuja influência no Brasil é praticamente nenhuma, vira um campo de batalha. Não à toa, no fim de semana, diante da indicação de Barrett, dois ultraeditores de pelo menos dois ultrajornais não hesitaram e tascaram um “ultraconservadora” para se referir a ela.
Não sei se é ultraignorância ou ultramá-fé dos meus colegas. Pode ser também apenas uma ultracoincidência – hipótese que talvez revele uma ultraingenuidade de minha parte. O fato é que o prefixo “ultra” seguido pelo rótulo que para muitos ainda soa como palavrão, “conservadora”, confere à indicação de Trump um ar maquiavélico, como se tudo fosse uma grande conspiração com algum objetivo macabro.
Aí você vai dar uma lida rápida na biografia de Barrett para descobrir o que a torna não apenas conservadora, mas, na visão dos progressistas, ultra. Casada, católica, mãe de sete filhos. Contra o aborto. Foi pupila de Antonin Scalia. Leitora de Flannery O’Connor e C. S. Lewis. Defensora da 2ª Emenda da Constituição Americana, aquela que garante às pessoas o direito a portar armas, mas que alguns brasileiros, novamente por ultraignorância ou ultramá-fé, acreditam garantir às pessoas o direito a sair por aí atirando em quem bem entender.
Me confesso ultradecepcionado. Afinal, para alguém merecer o rótulo de “ultraconservadora” eu esperava, no mínimo, que fosse ultramonarquista. Esperava ainda que não tivesse dois filhos não-biológicos, e ainda por cima com mais melanina na pele. Esperava uma pessoa que defendesse, talvez, a pena de morte para gays, como acontece ainda em alguns lugares que os ultraprogressistas teimam em enaltecer, acredito que só por birra mesmo.
Mas eu ultraentendo a ultramá-vontade de meus colegas ultrajornalistas. Primeiro porque o que está em jogo na indicação de Barrett é mesmo a possibilidade de a Suprema Corte dos EUA reverter o infame caso Roe vs Wade, que permitiu a prática do aborto por lá. Isso causa nos ultraprogressistas uma espécie de ultraurticária moral e intelectual. Daí a necessidade de marcá-la com um rótulo capaz de causar escândalo.
Para “piorar”, Barrett é uma originalista – espécie que, dizem, já habitou o Cerrado brasileiro, mas que ultimamente está em extinção. Ela acredita que a enxuta Constituição dos Estados Unidos basta para resolver os conflitos jurídicos atuais, mesmo tendo sido escrita há 233 anos. Porque os valores contidos naquele documento, sobretudo o respeito às liberdades individuais e à vida, merecem ser defendidos, ou melhor, conservados para o bom funcionamento da sociedade.
E deve ser ultradifícil para alguém entender isso na realidade brasileira, na qual juízes ultraprogressistas de um Supremo Tribunal Federal ultra-ativista interpretam a caudalosa Constituição Millennial de 1988 a seu bel-prazer, cada qual acreditando numa solução ultracriativa para conflitos pontuais, com consequências quase sempre nefastas.
Daí porque é mais fácil (ultrafácil!) pintar as letras escarlates “UC” nas costas de Barrett ou de qualquer um (pior ainda se for uma) que não reze pela cartilha do progressismo.
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