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"Ensina-me, Senhor, a ser ninguém./ Que minha pequenez nem seja minha". João Filho.

Ficção (claro)

São-paulino tenta denunciar assessora de Anielle Franco ao Ministério Público

Ministério Público
O Ministério Público orientou o torcedor do São Paulo a esperar sentado, "porque de pé cansa". (Foto: Reprodução/ Twitter)

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Seu Aderbal mandou avisar que não é bobo nem nada. E que por isso vai ligar antes. Tá pensando o quê? “Alô. É do Ministério Público? Eu queria fazer uma denúncia de racismo”, disse ele ao telefone, depois de meia hora ouvindo um dueto entre Luiza Sonza e Luva de Pedreiro cantando aquela do Caetano. Aquela. “Racismo?!”, indignou-se do outro lado da linha um atendente de voz fanha. “Quem foi o branco [PIIIIIIIIIIIIIIIIII] que o agrediu?!”, perguntou, o dedo prestes a apertar o botão de acionamento da Patrulha Politicamente Correta.

“Na verdade estou muito abalado emocionalmente. Por isso gostaria de fazer a denúncia diretamente com um promotor. Pode ser?”, perguntou o Seu Aderbal, rindo e piscando o olhinho direito para o leitor. Eu disse que ele não era bobo nem nada! Do outro lado da linha, o atendente soltou um suspiro de derrubar árvores. Mas, ao perceber o potencial ideológico daquela história, logo se animou. “Me dá cinco minutinhos pra passar um café e chamar meus amigos da imprensa, e daí o senhor pode vir aqui fazer a denúncia. Teremos o maior prazer em recebê-lo e em expor seu trauma para este país racista”, disse, com uma solicitude no limite da falsidade.

Ah, Seu Aderbal. Tem certeza de que quer mesmo continuar com isso? É o que dá vontade de perguntar para ele, que já se besuntou de protetor solar, vestiu a camisa do São Paulo F.C. e, enquanto a gente perde tempo aqui falando, saiu rumo à sede do Ministério Público para denunciar Marcelle Decothé, assessora do Ministério da Igualdade Racial (também conhecido como O Ministério da Anielle), por... racismo. Decothé usou até a famigerada linguagem neutra para tripudiar sobre a torcida são-paulina, dizendo que os tricolores são todos brancos (!), não sabem cantar (!), descendem de europeus safados (!) e ainda por cima são todos paulistas (!).

Retomando 

O ônibus, porém, não conseguiu avançar pela rua já tomada pelos repórteres e por alguns manifestantes que exibiam cartazes com slogans antirracismo e gritavam palavras de ordem que, na boca de um branco, sei não. Talvez fossem interpretadas como incitação à violência. Ou pior: como antidemocráticas. Seu Aderbal, portanto, teve que avançar sob o sol, abrindo caminho por entre a turba indignada. Logo ele, que era albino. Já mencionei que ele era albino? Não? Que lapso. Pois ele era albino. Ou pelo menos branco demais, vendo assim de longe.

Assim que chegou à sede do Ministério Público, abrindo caminho por entre a selva de microfones, câmeras e celulares, Seu Aderbal foi ao balcão de informações. “Pois sim? Em que posso ajudá-lo?”, perguntou a mesma voz fanhosa da ligação e dos primeiros parágrafos, não sem antes olhar com inegável nojo para aquela branquitude colonial, fascista e neoliberal toda à sua frente. “Vim denunciar um caso de racismo”, disse Seu Aderbal. E deve ter falado alto demais, porque à sua volta todos pararam o que estavam fazendo e se voltaram comicamente para aquele senhor albino (ou pelo menos branco demais, vendo assim de longe) com a camiseta do São Paulo F. C.

Engolindo em seco e sentindo toda a opressão e toda a dívida histórica na garganta, o fanhoso mexeu numa gaveta e de lá tirou uma folha amarelada pelo tempo, na qual se lia “Phormulário de Dennúncia de Racismo Reverso”. Lá fora, a notícia de que a denúncia de racismo era de um branco (“E ainda por cima albino!”) se espalhou entre os repórteres, que soltaram em uníssono um “ahhhh!” de decepção. Daqueles bem longos e bem tristes e bem decepcionados mesmo.

Flávio Bolsonaro 

Com aquele enfado típico dos funcionários públicos, o fanhoso instruiu o Seu Aderbal. “Preencha este formulário em duas vias. Assine. Pague o DARF. E daí pode esperar ali junto com aquele senhor. Logo alguém vai cuidar do seu caso”, disse, apontando para um banco de madeira à esquerda. Onde estava sentado, esperando atendimento há dias, o senador Flávio Bolsonaro.

“Vim denunciar a Gleisi por ter atacado a Justiça Eleitoral. Ela vai ver só o que é bom pra tosse”, disse ele com um sorriso débil no rosto. Aquele de sempre. “E você? Homofobia do bem? Fake news do Flávio Dino? Capacitismo de comediante petista?”, perguntou ele para o Seu Aderbal. O entusiasmo era inegável – e também um bocado ridículo. “Não, vim denunciar o racismo contra nós, os são-paulinos brancos”, respondeu ele bem alto, na esperança de chamar a atenção de algum repórter que ainda estivesse por perto. Ou, menos provável, de algum promotor que se interessasse pelo caso.

Ao ouvir aquilo, o atendente fanhoso não hesitou. “É só esperar. Mas espere sentado, porque de pé cansa”, disse. O Ministério Público inteiro caiu na gargalhada. E o Seu Aderbal ficou ali, com o phormulário na mão, ao lado de um Flávio Bolsonaro que delirava algo como “pau que dá em Chico dá em Francisco”. Ou coisa assim.

Até que tocou uma sirene e o são-paulino albino, indignado, cansado e agora com fominha, ouviu o fanhoso gritar para os procuradores: “Atenção, pessoal! Caso urgente de gordofobia contra ministro de Estado. Repetindo! Caso urgente de gordofobia contra ministro de Estado. Já para o hipócrito-móvel!”.

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