PARA LER ESTA CRÔNICA, VOCÊ VAI PRECISAR DE:
Dois olhos (é possível ler com apenas um dos olhos, se você tiver experiência)
Óculos (Não obrigatório. Pode ser para miopia, hipermetropia, astigmatismo e bifocal. Apenas óculos escuros não são recomendados)
Conhecimento prévio de que várias personalidades, entre elas artistas, banqueiros e o próprio Lula, assinaram uma tal de "Carta pela Democracia"
3 onças de imaginação (daquelas bem brabas)
MODO DE USAR
Percorra as linhas, juntando letras em sílabas, sílabas em palavras, palavras em frases, frases em sentenças e sentenças em parágrafos, até chegar ao ponto final-final. Com sorte, em algum momento as coisas começarão a fazer sentido. Vai por mim!
Adicione um pouco de humor para dar leveza à leitura, senão corre o risco de a crônica desandar.
Recheie com imaginação meio-amarga
UM ÚLTIMO AVISO
A contragosto, mas para o bem do exercício literário, mantive o estilo pobre e claudicante da carta original, incluindo a pontuação de cartorário prestes a sofrer um derrame. Também a estrutura da carta original foi mantida, só para acrescentar uma dificuldadezinha ao desafio.
AGORA, SIM, A CARTA EM SUA VERSÃO SINCERONA
No dia 17 de maio de 2013, num ambiente confuso que em breve desembocaria em enormes manifestações de rua contra tudo e contra nada, a filósofa, ativista e sobretudo petista Marilena Chauí, uma espécie de Márcia Tiburi com mais bagagem, durante um debate entre esquerdistas que só discordam quanto à melhor bala usar no paredão dos reacionários, disse “eu odeio a classe média”. A fala veio para coroar o clima de animosidade política, do “nós contra eles”, sabiamente fomentado por mais de uma década de governos do PT. Dividir para controlar, lembra?
A semente plantada rendeu frutos. O Brasil se dividiu. A ex-presidenta Dilma Rousseff sofreu impeachment, mas conseguimos emplacar a narrativa de que tudo não passou de um golpe dessa direita fascista e neoliberal. Lula foi preso e, assim, tornou-se o mártir de que a esquerda precisava para assumir o poder sem lero-lero de Lulinha Paz & Amor.
Temos poderes da República, o Executivo encurralado, o Legislativo amordaçado e o Judiciário jurando que é independente (tirando aqueles dois capachos do bolsonarismo) e capaz de respeitar e zelar pela observância do pacto maior, a Constituição Federal. E, para o nosso bem e o bem do nosso contracheque, tem gente que acredita.
Sob o manto da Constituição Federal de 1988, prestes a completar seu 34º aniversário, sofremos sucessivas derrotas nas urnas, mas, aos poucos, com a ajuda dos nossos companheiros professores desde o pré até a faculdade, conseguimos vencer os pleitos e, quando não vencíamos, fazíamos tanta pressão que havia até quem achasse que a maioria conservadora do País era, na verdade, progressista. Aproveitamos para mandar um abraço ao nosso fiel escudeiro, o senador Randolfe Rodrigues, também conhecido como o Gigante do Amapá.
A lição de Chauí está estampada em Marx e principalmente nos atos de seus mais nobres revolucionários, de Stalin a Fidel, passando pelo camarada Mao e sobretudo Pol Pot, que mandava matar qualquer um que parecesse e fosse mesmo da classe média.
“Nossas eleições com o processo eletrônico de apuração têm servido de exemplo no mundo”, repetem as autoridades, bem como nosso marqueteiro ensinou. E, de fato, Bangladesh e Butão são o mundo quando se trata de emplacar um slogan travestido de argumento. E não somos bestas, combinamos com o PSDB e podemos hoje estufar o peito para dizer que houve alternância de poder e que, por isso, as urnas eletrônicas são totalmente seguras e confiáveis, assim como a Justiça Eleitoral. Caramba, esse argumento tá muito bom e ninguém vai ser doido de refutar.
Isso que a gente chama (rindo) de democracia cresceu e amadureceu, mas muito ainda há de ser feito. Bonito isso de “muito ainda há de ser feito”, hein? Veja só como nosso redator tem estilo. Mas onde é que estava mesmo? Ah, sim. Vou repetir um trecho da cartilha... Deixa eu ver. Página 13. Aqui vai: “Vivemos em um País de profundas desigualdades sociais, com carências em serviços públicos essenciais, como saúde, educação, habitação e segurança pública”. E se você não chorou com isso é porque é fascista.
Temos muito a caminhar no desenvolvimento das nossas potencialidades econômicas de forma sustentável, o que não quer dizer muita coisa, mas “potencialidades econômicas” é bonito e “de forma sustentável” sempre apela para aquele medinho que você sente quando falam de mudanças climáticas. O Estado apresenta-se ineficiente diante dos seus inúmeros desafios que só nós, da esquerda, podemos resolver – como já ficou claro em experiências realizadas em Cuba, Coreia do Norte, URSS (que Deus a tenha!) e China. Pleitos por maior respeito e igualdade de condições em matéria de raça, gênero e orientação sexual ainda estão longe de ser atendidos com a devida plenitude e enquanto o País estiver falando “criado mudo” e separando os banheiros por gênero é porque ainda temos muito a exterminar, digo, lutar.
Nos próximos dias (preguiça de pesquisar), teremos o início da campanha eleitoral para escolher um bando de burocrata, alguns deles francamente inúteis, mas necessários para a hegemonia de esquerda não dar cara. Neste momento, deveríamos estar falando na festa da democracia, com a disputa entre os vários tons de esquerdismo, que até hoje fingem ser antagônicos para o bem do nosso projeto de poder para as próximas décadas.
Em vez de uma festa cívica (mais um lugar-comum desses e eu desisto!), estamos passando por momento de imenso perigo para nossas pretensões autoritárias de curto, médio e longo prazo, com a possibilidade de o Inominável, feio, bobo e cara de mamão ser reeleito ou, no caso de (vamos usar um eufemismo) anormalidade eleitoral, questionar a legitimidade de um pleito cuja lisura in-con-tes-tá-vel (tente para você ver só uma coisa!) conta com a garantia de nomes como Alexandre de Moraes e Edson Fachin, parceiros que já se mostraram simpáticos à nossa causa oh tão democrática.
Poxa, a gente saiu às ruas, levou cacetada e teve companheiros torturados e mortos até encontrarmos a melhor forma (a gramsciana) de impor nossos valores e agora esse povo fica colocando a pulga atrás da orelha dos inocentes úteis? Assim não pode, assim não dá. Por isso, nesta parte da carta vamos aumentar o tom e dizer que são intoleráveis (uau!) as ameaças aos demais poderes e setores da sociedade civil e a incitação à violência e à ruptura da ordem constitucional. Que ameaças? As ameaças, oras. Teve aquela vez que. E aquela outra vez que. Ah, ameaças assim no tom de voz agressivo, nas piadas, na falta de decoro. Não precisamos ser tão específicos.
Assistimos recentemente àquele maluco do Trump fazendo trumpice nos Estados Unidos. Ainda bem, porque assim podemos usar a invasão do Capitólio para dizer que a direita fascista (nunca é demais usar essa palavra) tentou desestabilizar a democracia e a confiança do povo na lisura das eleições. Lá os negacionistas terraplanistas supremacistas não tiveram êxito. Aqui tampouco terão. Porque o êxito será nosso, do povo que até hoje usa máscara, que acredita no Márcio Pochmann, que dá uma camiseta do Black Lives Matter para a secretária no Dia da Empregada Doméstica. Que só odeia para o seu bem.
Por sermos moral e intelectualmente superiores, nossa consciência cívica é muito maior do que imaginam essa gentinha de quinta categoria, o tal de "povo" que a gente só bajula em ano eleitoral porque ainda precisa. Como já foi dito aqui, sabemos fingir diferenças irreconciliáveis em prol de algo muito maior: a ditadura do proletariado ou, se não der, o capitalismo monopolista à moda chinesa.
Imbuídos do furor revolucionário que lastreou o discurso do “nós contra eles”, bem como o desabafo de Marilena Chauí, atacada por proferir palavras que todo esquerdista gostaria de cuspir na cara da burguesia, independentemente de quem prefere o PT ou o PSOL ou ainda o PSTU, tadinho, clamamos as brasileiras e brasileiros a ficarem alertas na defesa da democracia e do respeito ao resultado das eleições. Isto é, a cravar o 13 nas urnas.
No Brasil atual não há mais espaço para o conservadorismo ou para essas tentativas de abrir a economia. Capitalismo, fé e liberdade são coisas que ficaram no passado. A solução dos imensos desafios da sociedade brasileira passa necessariamente pela eleição de Lula e a manutenção de importantes lideranças, como Renan Calheiros, no poder.
Por isso, cínica e mentirosamente vamos engolir o nojo e emular o discurso patriótico para berrar de forma uníssona (que significa “ao mesmo tempo”, caso você tenha estudado com nossos mestres paulofreireanos):
Nós odiamos o homem comum!
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