Nesta nossa história um jornal inquestionavelmente isento (talvez até mesmo isentão) teve acesso a um vídeo que mostra Alexandre de Moraes chutando uma criança. Não, calma. Não é tão simples assim. No vídeo, Alexandre de Moraes vem andando pela rua, todo alegre e contente depois de ter assinado umas dez sentenças contra golpistas, vê uma criancinha vindo na sua direção, abre um sorriso, aquele sorriso, e dá uma tremenda botinada (tum!) na criança. Que (uishhhh!) é lançada a uns dez metros antes de se espatifar no chão (ploft!).
Mentira! Notícias fraudulentas! Fake news!, gritarão alguns ao lerem apenas o parágrafo anterior. Assim como gritaram os apoiadores do ministro nesta história fictícia, fruto de uma imaginação fértil e que ainda se considera livre. Mas o vídeo agora está aí na sua imaginação, e não deixa nenhuma dúvida: Alexandre de Moraes se aproxima da criança, dobra a perna como num desenho animado, close na botina, chute, criança no ar, criança no chão. The end.
Mas me adianto. Porque antes da gritaria desesperada houve esperança de que agora Alexandre de Moraes estava ferrado. Agora vai. Não é possível, gente! Ele foi pego chutando uma criança! A oposição se reuniu às pressas para elaborar um novo pedido de impeachment. Desta vez hiper. Houve discursos furiosos nas tribunas da Câmara e do Senado. Até o Pacheco deu uma titubeada e ligou para o Gilmar Mendes perguntando como deveria agir. “Sossegue o facho”, ordenou o ministro. “E ligue a TV”, disse. Pacheco nem precisou perguntar em que canal.
Tomando toddynho e comendo pão-de-queijo, Pacheco e meia dúzia de espectadores assistiram à opinião de diversos especialistas e comentaristas. Um questionou a intenção política, social, cultural e sexual por trás da divulgação do vídeo. “Quem filmou isso?! E em quem ele votou?”, perguntou outro, indignado. Um terceiro disse que, para defender a democracia, às vezes era preciso chutar crianças na rua, sim. “Vai que essa criança cresce e vira um fascistinha”, concluiu.
Botina suprema
No dia seguinte, enquanto um jornalão, nosso concorrente, publicava um editorial dizendo ai ai ai, que feio o Xandinho chutar uma criança, mas pelo menos ele salvou a democracia do bicho-papão Bolsonaro, a operação-abafa ganhou força. “O ministro agiu em conformidade com a lei, que em nenhum momento proíbe explicitamente que se chute uma criança a esmo na rua”, escreveu um jurista especialista em ECA.
“Se fosse um cachorro, Alexandre de Moraes deveria sofrer impeachment. Mas como é uma criança, tudo bem”, escreveu um militante dos direitos dos animais, por acaso também abortista, vegano e [VETADO PELO JURÍDICO]. E se você está revoltado com essas declarações, um aviso: foi só o começo. Porque logo entraram em cena os ministros do STF. Levantem-se para ouvir Suas Excelências!
Flávio Dino declarou que “nenhuma criança está a salvo nas ruas, como nos ensinam os contos de fada”. Gilmar Mendes fez graça, pedindo a inclusão do chute de crianças a distância nas Olimpíadas e dizendo que Alexandre de Moraes merecia uma medalha de ouro. Já o presidente do Supremo, ministro Luís Roberto Barroso, chamou o vídeo de uma “videocassetada inocente, digna de riso, mas que a extrema-direita quer transformar num ato de violência a fim de prejudicar o bom funcionamento das instituições democráticas”.
Depois de receber o apoio de seus pares, foi a vez de o próprio Alexandre de Moraes se manifestar. E ele não decepcionou. “Naquele momento, a Lei & a Democracia, personificadas na figura do ministro, isto é, de mim mesmo enquanto pessoa, precisava ir do ponto A ao ponto B antes que a bexiga cheia impedisse a correta aplicação do Estado Democrático de Direito. Foi então que a pseudocriança surgiu em minha frente, num claro abuso da ocupação do espaço público por um ser que, dizem os especialistas, está inerentemente e antidemocraticamente numa fase narcisista”, disse ele. Para, depois de uma pausa dramática, concluir: “E ainda por cima causou danos ao erário, vandalizando a botina suprema”.
Epílogo
Foi assim que Alexandre de Moraes continuou chutando crianças na rua, só que agora sem medo de ser flagrado. E, já que estava no embalo, aproveitou para chutar cães e gatos também. O autor do vídeo, aliás, foi preso e condenado a 17 anos de prisão. Por tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito, claro. Como foi que você adivinhou?
A criança foi questionada pela Polícia Federal, que chegou à conclusão de que se tratava mesmo de uma fascistinha. Ou melhor, de um “ovo de serpente”, para usar as palavras da ministra Cármen Lúcia quando do julgamento que condenou a criança a 7 anos de prisão no curso de Sociologia de uma a Universidade Federal. Os pais da criança nunca foram encontrados nem nunca tentaram reavê-la. Ah, e o Pacheco mandou avisar que não pautou nem vai pautar o impeachment, sô!
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