* “Iceberg à frente! Iceberg à frente!”, gritam os pobres-diabos que têm de enfrentar a noite fria empoleirados no mastro e são rotineiramente humilhados pelos colegas petistas na imprensa. O capitão Lula, ligeiramente de ressaca, acorda assustado. “PF à frente? Onde? Cadê?”, pergunta ele antes de ligar para seu ajudante-de-ordens. “Pede praquele baixinho, como é que é o nome dele mesmo? Isso, o Randolfe! Pede pro Randolfe acionar o Alexandre lá na Primeiríssima Classe. Assim não dá! Esse aisbergui aí vai acabar com meu governo, pô!”, manda.
* Devidamente instruído, o menino de recados bate à porta da luxuosa cabine da Primeiríssima e Supremíssima Classe Top Super Maxi Plus. Ao ouvir, naquela voz de Maria Callas gripada, as ordens vindas diretamente do capitão, Alexandre não hesita. Bota a peruca no criado-mudo, levanta-se só de toga e, ali mesmo, determina que quaisquer avisos de icebergs que possam abalar a tranquilidade do capitão estão proibidos.
* O Titanic bate no iceberg. A força do impacto rasga a lateral da embarcação daquele jeito que todo mundo viu no filme do James Cameron.
* Na sala de controle, o capitão Lula solta um palavrão. Em volta, todos riem da espontaneidade do chefe. Que, no entanto, está desesperado. Ele sabe que seu navio não é inafundável. “Preciso tomar uma Atitude”, diz ele, servindo-se da deliciosa aguardente Atitude. “O que é que eu faço agora?”, pergunta ele para as dezenas de ministros ao redor. Silêncio. Vestindo um traje de banho feito com canudinhos plásticos tirados do estômago de tartaruguinhas by Greta Wear, Janja entra na sala de controle. “Já posso dar um mergulho?”, pergunta, toda deslumbrada.
* “Vamos jogar todos os brancos ao mar!”, sugere um. Não vou dizer quem. “Não, os ricos!”, diz outro. “Não, os héteros!” - e assim sucessivamente. “E se a gente cobrasse impostos dos icebergs?”, tenta Fernando Haddad. “Se o Roberto Campos Neto tivesse baixado os juros nada disso estaria acontecendo”, resmunga Gleisi Hoffmann, que não é ministra mas está na sala de controle porque o autor da história quer. “A gente podia arrancar esse piso de madeira e construir uma jangada”, propõe Marina Silva, mas ninguém ouve.
* Esbaforido, o ministro do Trabalho interrompe aquela que vai entrar para a história como a brainstorm mais improdutiva do mundo e informa o capitão Lula que o Sinditrafo (Sindicato dos Trabalhadores nas Fornalhas) acaba de decretar greve por melhorias nas condições de trabalho.
* Estava tão concentrado aqui em falar da reunião ministerial que me esqueci dos passageiros da segunda e terceira classes. Que, da popa à proa, e vice-versa, brigam entre si. Um lado grita “Faz o L!”. O outro responde com “Perdeu, mané!”.
* O navio começa a afundar. O piquete dos trabalhadores nas fornalhas acaba quando a água invade a casa das máquinas. Nos andares superiores, o pânico toma conta da maioria dos passageiros da segunda e da terceira classes. Alguns se jogam da amurada. Outros se lamuriam pelas redes sociais. Tabata Amaral corre de um lado para o outro distribuindo absorventes como se fossem coletes salva-vidas. “É de graça! Viva o SUS!”, diz ela. Há quem grite “Fora, Lula!”, enquanto um grupelho que ainda não percebeu a gravidade da situação insiste em pedir picanha.
* Numa salinha com ar-condicionado e sem escotilhas, alheios ao pandemônio lá fora, os jornalistas dedilham loucamente o telégrafo, soltando mensagens que no futuro serão ridicularizadas pela estupidez e cegueira ideológica: “Não há com o que se preocupar!”, “O capitão Lula sabe o que está fazendo”, “O iceberg era grande, MAS não tanto” e “Bolsonaro mandou o iceberg em nossa direção”.
* Na Primeira Classe Não Tão Top Assim, os militares do alto escalão ignoram a água que já começa a bater nas canelas e discutem a superioridade do positivismo sobre os demais sistemas filosóficos. “Se ao menos houvesse uma lei proibindo icebergs...”, diz um deles. “Se ao menos a gente tivesse caiado os icebergs de branco”, cogita outro, o palhacinho da turma.
* Em meio à correria, os artistas da Banda Rouanet se preparam para tocar uma música, na esperança de acalmar os ânimos. Mas o único músico ali só sabe estalar os dedos mesmo. Os outros são um cineasta, uma atriz canastrona, um poeta analfabeto, um artista plástico e um performer. Que imediatamente começa a performar a performance intitulada “O capitalismo afundou o Titanic”.
* De repente, alguém tem a brilhante ideia de usar os botes salva-vidas. “Mulheres e crianças primeiro!”, grita um reacionário, muito provavelmente machista e fascista. E aqui entraria uma série de piadas que, por causa da censura por insegurança que expliquei num texto anterior, não posso contar. Digamos apenas que muita gente fez cosplay de Nikolas Ferreira e, assim, garantiu um lugar nos botes antes do patriarcado.
* Fazendo biquinho, a rebelde e progressista Gleisi, ao lado de Lindbergh depois da famosa cena do carro, recusa a salvação. “Não entro em bote com brancos machistas fascistas e... Como é mesmo aquela outra palavra, amor?”, diz ela para Lindinho. “Neoliberais”, responde ele.
* A confusão aqui no convés do navio é tanta que me perdi de novo. Subo as escadas e, quando percebo, estou de volta à sala de comando, onde encontro o capitão Lula sozinho, tomando a última dose de Atitude e tentando evitar o que todo mundo sabe ser inevitável. “Isso tudo é uma conspiração dos estadunidense (sic) pra me tirar do comando do navio. Janja, Janja, cadê você?”, pergunta ele, mais para lá do que para cá. Não o culpo, mas saio correndo...
*... A tempo de entrar no último bote salva-vidas, de onde vejo Gleisi em cima de uma porta e o Lindbergh já virando picolé. “Cabem os dois em cima da porta!”, grito. Eles até seguem minha sugestão. Mas a porta, superfaturada, não aguenta e os dois afundam de mãos dadas.
*Em terra firme, protegido das incertezas do mar revolto da política brasileira, o capitão Bolsonaro, que acabou substituído pelo capitão Lula depois de um motim na agora submersa Primeiríssima e Supremíssima Classe Top Super Maxi Plus, se farta de melancia. E respira aliviado.
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