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Polzonoff

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"Ensina-me, Senhor, a ser ninguém./ Que minha pequenez nem seja minha". João Filho.

Má-oe

Se o Brasil participasse de um quadro do programa Silvio Santos

Silvio Santos
E pensar que o sonho do menino Brasil era ganhar apenas uma bicicleta" (Foto: Reprodução/ Facebook)

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“Vem pra cá! Vem pra cá!”. Silvio Santos chama o Brasil ao palco. O menino desengonçado, de shortinho da seleção de 70 e camiseta da campanha do Maluf de 1989, abre um sorriso com déficit de incisivos inferiores. “Qual é o seu nome?”, pergunta o apresentador. E ao longo de toda a crônica você vai ter que ler as falas de Silvio Santos com a prosódia característica dele. Senão perde a graça, pô.

Brasil responde: “República Federativa do Brasil. Mas pode me chamar só de Brasil mesmo”. “Hahae-hihiii!”, ri Silvio Santos, que viu graça não sei onde. “E me diga. E me diga. Quantos anos você tem?”, pergunta SS. “Quinhentos e vinte e três”, responde o moleque ranhento. “E você vem de onde, Brasil? Veio com alguma caravana?”, pergunta o apresentador. “Eu vim com a caravana de Osasco, Silvio!”, responde o menino. A plateia irrompe em gritos e aplausos.

“Má-oe. Você já conhece o quadro da Cabine dos Desejos, Brasil?”, pergunta Silvio Santos. Brasil faz que sim, mas Silvio Santos ignora e se põe a explicar para o auditório e os telespectadores como funciona a brincadeira. Por todo o palco estão espalhadas riquezas e misérias, representadas em eventos históricos, oportunidades econômicas, tendências culturais e nomes de políticos e instituições. Umas coisas boas e outras nem tanto. Umas péssimas e outras piores ainda. Ele vai oferecer os “prêmios” e, enquanto isso, Brasil ficará numa cabine a prova de som. Toda vez que uma lâmpada acender dentro da cabine, o menino terá de dizer “sim” ou “não”. Sem saber o que está escolhendo.

Silvio Santos pergunta se o Brasil entendeu o jogo. O menino de inteligência limitada diz que sim, mas está mentindo. Enquanto Brasil entra na cabine e a produção põe no menino um fone de ouvido gigantesco, Silvio Santos faz propaganda de remédio anticólicas menstruais. “Ai, ai, ai, ai, como sofri/ Com uma cólica, quase morri/ Sorte que logo Atroveram tomei/ A dor se foi. Eu melhorei”. Etc. Terminado o reclame, o apresentador pergunta: “Tudo certo aí, Brasil?”. A luz na cabine se acende. “NÃÃÃO!”, berra o menino. Vai começar a brincadeira.

Má-oe. Isso é um intertítulo, Lombardi?

“Vamos começar. Deixa eu ver aqui. Já sei. Já sei. Hahae-hihiii. Brasil, você tá me ouvindo?”, pergunta SS. Como a luz na cabine não se acende, o menino não diz nada. “Ótimo”, diz o apresentador. “Vamos começar com... Deixa eu ver. Este não. Este também não. Aqui. Hahae-hihiii”, diz ele, pegando uma coroa. “Brasil, você quer ganhar essa Monarquia?”. De dentro da cabine, o menino enche os pulmões para gritar: “SIIIIIIIM!”. Silvio Santos circula pelo palco, pega uma espada e pergunta: “Brasil, você troca a Monarquia por essa República aqui?”. A luz se acende. O menino pensa. E finalmente grita: “SIIIIIM!”. A plateia dá que dá risada.

O jogo continua. Silvio Santos não parece ter pena nenhuma do menino. “Brasil, você troca essa República velha por... Deixa eu ver aqui. Ah, sim. Por essa ditadura?”. O ritual se repete. Luz acesa e a resposta: “SIIIIIM!”. E dá-lhe hahaes e hihiiis e alvoroço na plateia. “Má-oe. Não é possível!”, diz o apresentador. “Vamos mudar um pouco. Deixa eu ver. Ah, sim. Brasil, você troca essa ditadura por uma democracia liberal novinha em folha?”. “NÃÃÃO!”, grita o menino, que de dentro da cabine sonha apenas em terminar o jogo com uma bicicleta.

“Não tá fácil. Ele quer mesmo a ditadura. Hahae-hihiii”, diz Silvio Santos. A plateia não parece entender o trocadilho impróprio para menores. Ele continua: “Brasil, você troca a ditadura... por uma Constituição Cidadã?”. Ao que o menino responde “SIIIIM”, sem saber que está caindo numa arapuca. “E agora, você troca a Constituição Cidadã por... Hahae-hihiii. Essa eu quero ver só”, diz Silvio Santos, fazendo suspense. “Troca a Constituição Cidadã por um STF com Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes?”. Vocês já devem imaginar a resposta.

E por aí vão as trocas, algumas delas absurdas. E todas aleatórias. Brasil não tem a menor ideia do que está fazendo. Troca a bossa-nova pelo funk numa hora, a hiperinflação pelo Plano Real na outra. Troca Dilma por Bolsonaro, mas logo em seguida troca Bolsonaro por Lula. Até que chega o momento decisivo. A última troca. Aquela que poderá render ao Brasil a sua tão sonhada bicicleta.

“Hahae-hihiii. O Brasil deve estar cansado, coitado. Então vamos para a última chance. Vamos lá. Atenção. Hahae-hihiii. Brasil, você troca tudo isso o que eu tenho desse lado esquerdo do palco – Lula, STF, MST, Felipe Neto, André Janones, Lei Rouanet, censura, inflação, corrupção e violência... Má-oe. Presta atenção, hein? Você troca tudo isso por... por... por... por essa linda bicicleta?”, pergunta Silvio Santos. A plateia emudece. O sonoplasta põe uma música de tensão. Os segundos passam como se fossem décadas perdidas. Na cabine, a luz finalmente se acende. E o menino Brasil não hesita:

- NÃÃÃÃÃÃÃÃO!

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