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"Ensina-me, Senhor, a ser ninguém./ Que minha pequenez nem seja minha". João Filho.

"O Pacto"

Polêmica do conto erótico de Regina Duarte expõe ignorância da esquerda politizada, mas iletrada

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Regina Duarte como escritora: estilo sub-rubemfonsequiano. (Foto: Isac Nóbrega/PR)

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Num esforço de reportagem que é bem a cara da nova geração, dois jornalistas desencavaram um conto erótico escrito pela atriz Regina Duarte e publicado na revista Playboy lá nos longínquos anos 1980. Na época em que Regina Duarte ainda era a admirável “namoradinha do Brasil”, a eterna Viúva Porcina, a empolgante Rainha da Sucata. (Na minha memória ela é empolgante, mas talvez não seja).

O objetivo da investigação jornalística, política e literária é bem claro. E nada tem a ver com jornalismo. Muito menos com literatura. Tem a ver apenas com a política: ganhar pontos com os amiguinhos por meio da exposição da suposta hipocrisia de uma personalidade “de direita”. De uma conservadora. De uma bolsonarista (oh, pecado!) que se diz defensora dos bons costumes, mas que no passado se prestou ao trabalho de escrever uma história erótica para uma revista masculina que trazia Hortência na capa e Sônia Lima no pôster central.

Pior. Para os jovens esquerdistas ultrapolitizados, mas iletrados, que leram a história e dela tiraram a conclusão de que se trata de uma "apologia ao machismo", é inconcebível que alguém conte uma história sem tê-la vivenciado. Aí o “crime” de Regina Duarte traz o agravante de ser um conto sobre uma mulher, Sônia, que gosta de ser traída pelo marido, Henrique. No tempo em que Freud valia um tostão furado, leitores com um mínimo de estofo diriam que se trata de um conto masoquista. E não é que é mesmo?

Evocando aqui o crítico literário que já tentei ser um dia, diria que Regina Duarte tem o talento literário de um sub-Rubem Fonseca que, na parte final, se esforça para imprimir um tom nelsonrodrigueano à história. Que é mais triste do que erótica. O conto, intitulado “O Pacto”, está carregado de chavões do gênero. Aquela falsa sutileza para falar das partes pudendas, sabe? Aquela sofreguidão e irracionalidade de quem se submete aos instintos mais baixos. Aquelas frases substantivas, velozes e vazias. E por aí vai.

Anticlímax

A história é de uma simplicidade adolescente. Isto é, do tempo em que adolescentes se aventuravam pela literatura. O marido chega em casa e a esposa exige que ele lhe narre detalhes do caso extraconjugal. Ao longo da maior parte do conto, o leitor é levado a entender que a mulher gosta de ser traída. Que ela se excita com a infidelidade do marido. Daí o caráter masoquista da narrativa.

Mas no final fica claro que um casamento alicerçado sobre essas bases não tem outro futuro que não o divórcio. Pedindo desde já perdão pelo spoiler, o casal se separa. E o clima de sensualidade dá lugar a uma modorrenta e melancólica carta na qual Sônia se resigna à realidade: o aluguel subiu, o colégio do filho subiu e ela foi assaltada.

Uma vez divulgado pelos militantes, o conto passou a ser visto não pelo que ele é, e sim como “uma obra reveladora” do caráter de Regina Duarte e seu posicionamento político pornográfico. Assim, a história outrora destinada ao esquecimento atraiu leitores jovens e puritanos que, instruídos à base de “Harry Potter”, “Torto Arado” e, sei lá, manuais de autoprazer do MEC, acreditam que tudo o que acontece numa obra literária conta com a aprovação moral do autor. No caso, autora. E mais: que a autora quer que a sociedade adote em larga escala a devassidão descrita no conto. Uma estupidez, claro.

Nem passa pela cabeça vazia desse pessoal (que nunca ouviu falar em Nelson Rodrigues e em Vladimir Nabokov) a possibilidade de que a “devassidão literária” do conto de Regina Duarte tenha um efeito, digamos, moralmente educativo. Nem passa pela cabeça desse pessoal a possibilidade de que o leitor minimamente inteligente não busque numa história fictícia apenas a reafirmação de suas convicções, sejam elas políticas, estéticas ou sexuais.

Nem passa pela cabeça desse pessoal a possibilidade de que o leitor, ao se deparar com o anticlímax de “O Pacto” em meio a fotos de beldades nuas, possa ter chegado à conclusão sábia, bela e moral de que o homem que cede aos instintos animalescos do sexo extraconjugal é um ser inegavelmente infeliz por ter trocado a promessa de uma vida de cumplicidade pelo prazer fugaz de uma cosquinha na genitália.

(Para quem ficou curioso, o conto "O Pacto", de Regina Duarte, pode ser lido aqui).

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