Todos os dias, antes mesmo de o Sol nascer, tenho que escolher o tema da coluna. E, a partir do tema, o tom, os argumentos gerais, o título. Às vezes é fácil; dá quase para pegar o tema no ar. No geral, contudo, trata-se de uma aposta – com uma vantagem clara para o erro. Isso sem falar nas permutações cujo resultado é sempre uma incógnita: tema certo, título errado; tema e título certos, mas tom errado; título e tom certos, tema errado. E não vou nem falar da forma porque essa discussão não teria fim.
Apesar de acusações constantes de omissão politicamente dolosa, raramente me faltam assuntos. Só que, às vezes, os assuntos que considero mais importantes não são os assuntos que os leitores consideram os mais importantes. Daí hesito em escrever e fico choramingando no ombro do editor, dizendo que, poxa, eu queria dar ao leitor exatamente o que ele quer ler, e não o que eu quero escrever. Hoje, por exemplo.
É que aqui e ali me deixo afundar numas areias movediças que nem te conto. Ou melhor, conto, sim. Mas antes me permita uma última elucubração sobre o clima e a influência dessa chuva e frio no espírito de quem escreve diariamente. Chove e faz frio em Curitiba há pelo menos uma semana, mas parece mais. Parece um mês, um ano, décadas! E, por mais que a criatividade transborde às vezes, não adianta: as nuvens baixas e o aguaceiro insistente não permitem ao cronista nem admirar o mundo nem analisar a vida (quanta pretensão!) para além de algumas horas.
Todas as esperanças, nesses dias, se resumem ao dia seguinte. À possibilidade de um amanhecer sem tantas nuvens, sem tanta água, sem tanto frio. E todas as lembranças são de dias quentes e ensolarados, com direito a caipirinha na praia e aquela visão de mundo otimistamente farsesca, sem dúvida produto de uns vapores alucinógenos de protetor solar em demasia. Pronto. Agora que já cumpri meu papel de curitibano reclamando do clima, vamos às areias movediças.
Pois assistia eu a um clássico desses que todo mundo gosta de odiar: “Sociedade dos Poetas Mortos”. Nossa, eu tenho muita coisa para falar sobre o filme. Mas quem disse que o leitor se interessa? Pegue, por exemplo, o poema do “O Captain! My Captain”, de Walt Whitman. O professor John Keating (sério?!) diz que ele foi escrito em homenagem a Abraham Lincoln. Foi mesmo! E bastou esse pedacinho de informação para eu passar a ver Whitman como um Stephen King e Lincoln como um Obama.
Essa observação rende um texto sobre a relação promíscua entre arte e política? Certamente. Não fossem essas nuvens e esse conhaque que nos botam comovidos como o diabo, poderia até incluir um Gustavo Lima para dar um quê de atualidade à crônica. Poderia mencionar Chico Buarque e Lula também – só para aquecer um pouco o coração do leitor friorento.
De volta ao filme e à areia movediça. Logo depois, o mesmo professor declama o poema “Ulysses”, de Lord Tennyson. Lá no finalzinho do poema, lê-se (no original): “To strive, to seek, to find, and not to yield”. Todas as traduções que encontrei falam em lutar, buscar, encontrar e não ceder. Ou não recuar. Mas “yield” tem outro sentido em inglês. Ele também se refere à produção, geralmente agrícola. Com essa interpretação, o verso ficaria algo como “lutar, buscar, encontrar e não colher”.
Que é, em essência, o destino dos santos e visionários. De pessoas que buscam fazer o certo, mesmo que não haja esperança de ver este certo frutificar. Nada mais em desacordo com um tempo, o nosso, em que é inconcebível não testemunhar as consequências da revolução e a “concretização da utopia”. Um tempo em que as lideranças todas agem e falam tendo no horizonte imediato algum tipo de lucro ou satisfação palpável.
Agora vou encerrar a crônica. Assim, abruptamente. Mas não sem antes prestar uma homenagem silenciosa a todos os que ficaram pelo caminho. Aos que desistiram logo no título ou no primeiro parágrafo ou quando comecei a falar de chuva e frio ou ainda quando mencionei “Sociedade dos Poetas Mortos”.
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