“Caro dr. Karpanno. Sou presidente de um país sul-americano há quase 3 anos e, desde então, tentam me derrubar, talquei? Já tentei de tudo. Já bati de frente com a imprensa, já fui BFF do presidente norte-americano, já andei de moto e já tomei cafezinho com o Centrão. Não adiantou. Eles só pensam em me derrubar. No tocante à pandemia, veja só minha situação: primeiro disseram que não comprei vacina, depois que comprei vacina superfaturada e agora estão dizendo que prevariquei. E eu lá sou homem disso?! Estou desesperado, dr. Karpanno. O que faço?”
– Simplesmente Jair, 66
A cartinha do Jair, escrita com uma caligrafia miúda e apressada, me comoveu – como me comovem todas as cartinhas do gênero que recebo neste espaço. Afinal, são seres humanos reais passando por dramas reais. E é melhor Jair aprendendo de uma vez por todas que a presidentofobia é um grave problema social que afeta ao menos uma pessoa a cada ciclo de quatro ou oito anos.
No caso acima descrito pelo missivista que se identifica como “Simplesmente Jair”, ele, quem quer que seja, está sendo vítima de uma sociedade que enfrenta não só uma pandemia de Covid-19, mas também uma pandemia daquilo que, num momento de inquestionável brilhantismo, chamei de “a volúpia do escândalo” no ensaio “A Volúpia do Escândalo”, incluído na coletânea “A Volúpia do Escândalo & outros ensaios”.
A volúpia do escândalo é uma doença causada por fungos que se desenvolvem nas entranhas de uma oposição desesclarecida e perversa, exatamente como a que habita as repúblicas bananeiras. Uma vez dentro do corpo de esquerdistas de maior ou menor grau, os fungos se desenvolvem, migram até o cérebro e causam a morte dos neurônios responsáveis por ideias como a do bem comum. E, quando percebe, o infectado deixa de vislumbrar qualquer futuro minimamente otimista e passa a pensar apenas por meio de slogans eleitorais.
Pra Jair, contudo, meu prognóstico não é dos mais animadores. Porque, apesar dos esforços de muitos laboratórios de ciência política (incluindo as magníficas instalações do Politics, Virus & Bats Laboratórios Associados, em Wuhan), ainda não foi possível desenvolver um tratamento eficaz contra a volúpia do escândalo e sua forma potencialmente mais letal: a impeachmentite. Então é bom Jair se precavendo.
Os maiores (mas não necessariamente melhores) especialistas no assunto recomendam a presidentes nessa situação chá de boldo, repouso e silêncio, não necessariamente nessa ordem. Na presença dos primeiros sintomas, isto é, se assim do nada ou motivado por um ministro do STF mais assanhadinho o presidente do Congresso decidir acatar um pedido de impeachment (também chamado de “a pústula da democracia”), é aconselhável Jair começando a usar a estratégia da prudência, já que qualquer coisa à base de Sabedoria™ carece de aprovação prévia pela Anvisa.
No presente caso, contudo, vale notar que a descrição que Simplesmente Jair faz dos sintomas é imprecisa – o que talvez se traduza num prognóstico improvavelmente errado deste que vos fala. Na primeira parte de sua carta, por exemplo, ele expressa aquilo que meu saudoso e renomado colega dr. Hugo Delletério descreveu no best-seller “Deve Ter Sido Alguma Coisa que Falei” como “Síndrome da Deficiência Retórica Adquirida”. Isto é, uma predisposição a uma retórica agressiva e belicosa que, apesar de estar em consonância com o povo, pode muito bem despertar os dorminhocos esporões que causam a volúpia do escândalo.
Me espanta, aliás, a insistência (que uns considerarão teimosia e outros obstinação) de Simplesmente Jair. Na pele dele, qualquer pessoa normal já teria “largado os betes”, como se diz em curitibanês. Teria comprado ou talvez até ganhado um sitiozinho no Vale da Ribeira e passado o restante de seus anos entre churrascos, pescarias e cafés-da-manhã com pão + leite condensado. Mas Jair, vê-se, não é uma pessoa normal. Como todo político que chega ao cargo máximo da nação, ele é dotado de um incontornável senso de missão. Ou vai ver é louco de pedra mesmo.
O desespero expresso no final da epístola é justificado. Afinal, como agir diante da irracionalidade pró e contra de 209.999.999 de pessoas, muitos dos quais babando de ódio ao ouvir os acordes iniciais do telejornal noturno? É como diz o ditado: se falar a Folha pega, se correr a CPI come. Resta ao misterioso missivista, portanto, a escolha: dar prosseguimento à até aqui malfadada (ainda que bem-intencionada) investida contra a narrativa da oposição kamikaze ou arriscar um desvio pela direita virtuosa, a fim de conquistar os corações e mentes ainda não infectados pela volúpia do escândalo.
O dr. Euler Karpanno é mestre em Pseudices pela Universidade de Sauerbone, doutor em Psiconada pela Universidade de Hardvard e, atualmente, conclui seu PhD em Política Holística Com Um Toque de Homeopatia pela UFGeH.
Inteligência americana pode ter colaborado com governo brasileiro em casos de censura no Brasil
Lula encontra brecha na catástrofe gaúcha e mira nas eleições de 2026
Barroso adota “política do pensamento” e reclama de liberdade de expressão na internet
Paulo Pimenta: O Salvador Apolítico das Enchentes no RS