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"Ensina-me, Senhor, a ser ninguém./ Que minha pequenez nem seja minha". João Filho.

Carta ao leitor #9

A volúpia da discórdia, ou: tentei não falar de Musk ou Xandão hoje, mas não deu

MUSK XANDÃO
Que tal se a gente conversasse sobre outra coisa que não a briga entre Elon Musk e Alexandre de Moraes hoje? Topa? (Foto: Pixabay/ EFE/ Agência Brasil)

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Caro leitor,

Que tal se a gente conversasse sobre outra coisa que não a briga entre Elon Musk e Alexandre de Moraes hoje? Topa? Porque não sei você, mas eu estou exaurido desse assunto. Melhor dizendo, estou saturado. Ou, como diria um velho personagem da Escolinha do Professor Raimundo, estou porraqui. E confesso que estou também um tanto quanto ansioso para saber no que vai dar esse quiproquó todo. Se é que vai dar em alguma coisa.

Mas falar sobre o quê, não é mesmo? Lula vetou a lei que acabava com as famigeradas “saidinhas” – aquele benefício concedido a marginais presos a fim de que eles saiam às ruas e, em datas festivas, se lembrem de como é bom roubar, estuprar e matar. O veto deve ser derrubado pelo Congresso. Ainda bem e tomara. Mas como conviver com o fato de que temos um presidente defensor de políticas públicas que já provaram ser uma tragédia?

Nah. Melhor mudar o rumo dessa prosa. Esse papo é muito deprê para uma carta que se pretende a uma conversa entre dois amigos. Por falar em amigos, talvez você goste de saber que estou lendo “O Passado Promete – Um Novo Brasil no Retrovisor”, do Guilherme Fiuza, e “Feérico Luar no Copacabana Palace”, do Alexandre Soares Silva. O plano é escrever sobre os romances, mas antes preciso pensar numa forma de impedir que a admiração pessoal que nutro pelos autores contamine minha leitura.

Ah, que bobagem, né?! Deve ser resquício de um tempo em que eu acreditava numa crítica literária com ares de ciência e num jornalismo isento, isentão, isentíssimo. Naquele tempo (e lá se vão bons vinte anos), acreditava que a solução para esse “problemão” estava em ser do contra. Alguém elogiava o livro de um amigo e eu logo farejava a possibilidade de destruir o trabalho alheio. Só para mostrar que minha avaliação pairava acima das relações pessoais. Aff! Ou então alguém assumia um lado em qualquer disputa e eu logo me punha a nadar contra a maré. Podia ser qualquer coisa. Teve um dia em que eu cheguei a dizer – pasmem! – que pudim de leite era ruim. Só para ser do contra.

O que me lembra de um comentário recente do padre Luiz Fernando Cintra, disponível no Spotify, em que ele menciona (estou citando de cabeça) certa volúpia com que as pessoas buscam o ódio. A contrariedade. A discórdia. É o antagonista por excelência – “antagonista” que, não por acaso, é um dos nomes do tinhoso. É aquele tipo que identifica o posicionamento de um grupo e vai logo correndo dar de dedo nos outros, explicando por que eles estão errados e só ele, o espírito-de-porco, está certo. Só ele sabe “ler a realidade”. Ui!

Isso é pura soberba, diz o Padre com muitos mais profundidade do que eu, mas assino embaixo. É se considerar melhor do que os outros. É nunca ter parado para se perguntar: “Será que eu tô certo?”. Ou, por outra: “Quem eu penso que sou para destruir a esperança das outras pessoas?”. É ver o mundo a partir do mirante infernal do ensimesmamento. Enfim, é uma condição muito triste e que, mais do que imaturidade, muitas vezes revela um profundo vazio espiritual. Dá raiva, mas também dá pena. Também já fui assim.

Rodei, rodei, rodei e onde vim parar? Na briga entre Elon Musk e Alexandre de Moraes. Acredita? Uma briga na qual vi muita gente ostentar uma postura cínica, como se a descrença na capacidade humana para o bem tornasse essas pessoas melhores, mais inteligentes, mais admiráveis e mais respeitáveis. Não torna. Digo, prudência é bom e um pouquinho de ceticismo não faz mal a ninguém. Afinal, estamos lidando com seres humanos, sejam eles psicopatas ou ególatras. Mas nunca vi ninguém tirar proveito, muito menos fazer o bem, destruindo as ilusões, as esperanças e os sonhos alheios.

Viu? Conversa boa é assim. A gente começa falando de um assunto, salta aleatoriamente para outro no segundo parágrafo, dá uma viajada no tempo para sugerir a leitura de dois livros, se autodeprecia um pouco, escreve o que tem que escrever (e o que será lido por quem tem que ler) – e, quando percebe, a carta já acabou.

Um abraço do
Paulo

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