Tenho um amigo que é o homem mais otimista do mundo. Ele acha que Pablo Marçal destruirá o Sistema, que Donald Trump será eleito, que Bolsonaro se tornará elegível novamente e que, com os senadores conservadores eleitos em 2026, Alexandre de Moraes sofrerá impeachment e será preso na mesma cela ocupada pelo Clezão. Não culpo o amigo pelo otimismo; tampouco o julgo mal. Pelo contrário. Tem um lado meu que até admira esse transbordamento de esperança.
Da última vez que encontrei o amigo, porém, me senti insultado por umas piadas com o Coxa ou a minha calvície, não lembro, e achei por bem jogar um balde de água bem fria no raciocínio impecavelmente alvissareiro dele. “E quem garante que teremos eleições em 2026?”, perguntei um tanto quanto perversamente, reconheço e peço desculpas.
Ele se deixou cair numa cadeira e, acostumado que está a retrucar, e não a ouvir (estamos todos), fez o mesmo que você e começou a me xingar de burro e paranoico e pessimista e tudo o mais. “Calma”, pedi a ele e vou aproveitar para pedir a você. Calma que eu posso explicar – e juro que há lógica no que pode lhe parecer paranoia, mas que na verdade é apenas a suposição de acontecimentos naturais numa ditadura, autocracia ou, vá lá, democracia refém de Rodrigo Pacheco.
A sementinha da dúvida
Comecei a ter dúvidas quanto às eleições de 2026 quando Alexandre de Moraes usou seus porta-vozes na imprensa para espalhar que estava preocupado com o potencial eleitoral dos conservadores. O comentário teria sido feito em 18 de abril, há apenas cinco meses (parece que foi há mais tempo), durante uma visita surpresa do ministro ao Congresso Nacional. Para mostrar quem é que manda. Sabe como é.
Naquele momento a dúvida foi concebida e ficou quietinha, só esperando para causar os primeiros enjoos e dar os primeiros chutes na barriga do papai aqui. O que aconteceu há algumas semanas, no dia 9 de agosto, quando novamente ele, Alexandre de Moraes, criticou o nível dos candidatos a prefeito em São Paulo. Mas as contrações mesmo só vieram agora, com a torrente de menções à “inaceitável violência política” da cadeirada de Datena em Pablo Marçal.
Posso e faço questão de estar enganado, mas me parece que o tal do Sistema de que vocês tanto falam não estará, daqui a apenas dois anos, disposto a largar esse osso que ele conquistou à base de tanta ilegalidade, de tanta censura, de tanta truculência institucional. Daí porque reforço a pergunta que fiz ao amigo: quem garante que teremos eleições em 2026? Quem garante que eles estarão dispostos a correr o mesmo risco que correu Nicolás Maduro em sua farsa eleitoral mais recente?
Ameaça ao regime
O amigo, porém, não se convenceu nem mesmo quando joguei as mãos para o alto, arregalei os olhos, franzi a testa – o combo todo. O contra-argumento dele é o de que não, que é isso?, imagina uma coisa dessas! Ficaria feio lá fora. Aí, sim, o Brasil seria uma ditadura escancarada. E o Lula não vai querer isso em sua biografia. Nem o Alexandre de Moraes. Nem o Barroso, que adora um holofote para poder arrotar democracia. Não, não, não.
A tudo ouvi com a parcimônia de um monge budista, mas também com uma inegável vontade de retrucar que já acreditei que a vaidade de Lula nos salvaria de uma ditadura à la Venezuela. Mais do que isso; já acreditei (não muito) que os outros ministros do STF perceberiam a enrascada em que estavam se metendo e conteriam os ímpetos totalitários de Alexandre de Moraes. E já duvidei que esse mesmo STF, que adora bater no peito para se dizer Guardião da Constituição, imporia a censura prévia a todos nós, brasileiros.
Não adianta. A escalada autoritária não tem freio. E sei que é difícil, mas talvez já esteja na hora de entendemos de uma vez por todas que não, Alexandre de Moraes não vai pôr a mão na consciência, como se diz, e reconhecer todos os erros que cometeu “em defesa da democracia”. Talvez esteja na hora de aceitarmos o fato de que, se até 2026 o processo eleitoral se revelar um obstáculo ou uma ameaça para a consolidação do regime, a corja que nos governa não hesitará em inventar uma justificativa qualquer para cancelar ou adiar as eleições.
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