Um investidor-comunicador resolveu dar um presente à cidade de São Paulo: uma escultura de um touro dourado. É o “Touro de Ouro” de Pablo Spyer, famoso por comentar as movimentações do mercado financeiro como se narrasse um rodeio e por usar o bordão “vaaaaaaai, tourinho, vaaaaaaai, tourinho”. Instalada diante da B3, que eu por teimosia continuo chamando de Bovespa mesmo, a estátua foi vandalizada por movimentos sociais e se tornou alvo de críticas “semióticas” nas páginas da nossa gloriosa imprensa.
As críticas são o suprassumo da desonestidade intelectual – e da cafonice sentimentaloide que ainda norteia a esquerda. Agora mesmo acabo de ver uma imagem que tem a estátua em segundo plano, iluminada pelo sol que se infiltra pelos prédios do centro de São Paulo. Em primeiro plano, à sombra e encostada numa parede, uma criança de rua olha melancolicamente para o animal dourado. Com essa imagem, o fotógrafo pretende criticar a opulência do mercado financeiro, que supostamente ignora a miséria. Alguns chegam a dizer que esse mercado é o causador da miséria.
Outras críticas falam em “complexo de vira-latas”, ressuscitando a expressão consagrada pelo semicancelado Nelson Rodrigues. Afinal, a estátua brasileira é inspirada no touro que decora o centro financeiro de Nova York. O curioso é que os mesmos críticos que falam na importação de um símbolo norte-americano são os que promovem as ridículas causas identitárias importadas da academia estadunidense. Coerência nunca foi o forte dessa gente mesmo.
Pressuposto da maldade
Embutido nessas críticas está o abjeto, mas onipresente, pressuposto da maldade – o mesmo que contamina todas as nossas relações, das familiares às políticas. De acordo com esse pressuposto, o homem não faz nada sem que haja segundas, terceiras e quartas intenções malévolas. No caso do Touro de Ouro, por exemplo, a maldade vai do puro mau gosto estético à ostentação da riqueza num país de miseráveis.
A avaliação estética eu deixo por conta de cada um. Só gostaria de lembrar aos fiscais do bom ou mau gosto alheio que, há não muito tempo, uma tal de Cow Parade espalhou vacas com estampas diversas por várias cidades do mundo. E todo mundo ia lá e tirava foto com as vacas e publicava nas redes sociais e, se calhasse, incluía até uma mensagenzinha política que combinasse com a estampa modernosa na pele do bovino. Sem contar que, em matéria de jequice, nada supera a foice e o martelo.
Sobre a ostentação (e vale esclarecer aos desavisados que, apesar da cor, o touro não é de ouro), há duas formas de pensar a estátua. A primeira é partindo do pressuposto da maldade para dizer que os investidores não dão a mínima para os pobres, que o mercado financeiro é malvadão, que o capitalismo é mau, que só Boulos e seu socialismo de botequim salvam. Etcétera. Mas por que não pensar que se trata de uma ação de graça pela abundância proporcionada pelo tão combatido mercado?
Pablo Spyer, idealizador do controverso Touro de Ouro, já disse que pensou a estátua como um presente para São Paulo. As pessoas poderiam andar pelo centro, desviar dos cracudos e tirar fotos ao lado do monumento. Exatamente como os socialistas-caviar fazem em suas viagens a Nova York. Claro que há, também, um bocado de autopromoção do investidor-comunicador. Mas qual o problema disso? É a tal coisa: enquanto Boulos se autopromove aliciando pobres para invadirem a propriedade privada alheia (com ampla cobertura positiva da esquerda), Spyer se autopromove com uma inofensiva estátua.
Ingratidão
O pior é que esses argumentos rasteiros, baseados todos no execrável pressuposto da maldade, interditam o debate e impedem que se façam críticas que bem poderiam ser pertinentes. Afinal, a mentalidade capitalista não é divinamente perfeita e merece, sim, ser questionada. Sem recorrer aos ataques pessoais ou ao contraponto simplista entre riqueza e miséria, pode-se dizer, por exemplo, que o Touro de Ouro é um símbolo do capitalismo amoral que, a meu ver, permeia a obra de uma Ayn Rand e até de um Mises. E, a partir daí, a gente poderia pensar nas bases materialistas que fomentam o objetivo vazio do infindável acúmulo de riquezas.
Outra crítica possível é à idolatria representada pela estátua dourada. Será que não valorizamos demais os ganhos financeiros? A uma distância segura, observo com curiosidade toda uma geração de investidores que passa o dia diante do computador em busca de ganhos cujo objetivo me escapa. É garantir a aposentadoria? É poder viajar? É comprar um carro de luxo? Ou será que é simplesmente poder esfregar a suposta superioridade do raciocínio analítico na cara do amiguinho que investiu tudo em ações de empresas de Eike Batista?
Mas é a tal coisa: a esquerda tem ojeriza à riqueza. Ela repudia todos os sinais de que, por causa do capitalismo (que, repito, não é perfeito), os pobres de hoje vivem melhor do que muitos reis do passado. Além disso, a esquerda sempre age como se estivesse diante de um espelho e, se pressupõe toda sorte de maldade por causa de uma simples estátua, é porque reconhece que age guiada por sentimentos sórdidos, como a inveja, o ressentimento e, neste caso, a ingratidão.
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