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Polzonoff

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"Para nós, há apenas o tentar. O resto não é da nossa conta". TS Eliot.

Sentado à beira do caminho

Triunfo da discórdia: a opinião como arma de um extenuante conflito cotidiano

Há toda uma geração que aprendeu a considerar inteligentes artistas e intelectuais que optam por táticas de guerra para se fazerem relevantes no debate público. (Foto: Bigstock)

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Comecei a reler “The Year of Our Lord 1943” [O ano da Graça de 1943], de Alan Jacobs. Como o subtítulo deixa claro, o livro explica como o humanismo cristão reagiu à escalada de violência que culminou com a Segunda Guerra Mundial. T. S. Eliot, Simone Weil e C. S. Lewis, entre outros, são personagens desse livro magnífico. É impossível para o leitor chegar à última página sem se perguntar, não sem um quê de culpa sincera, como ele teria de fato se comportado numa época e lugar de valores tão corrompidos que me falta a capacidade de completar a frase.

Lá pelas tantas, Alan Jacobs, inspirado pelos nomes mais-do-que-inteligentes que povoam o livro, esculpe uma frase que há três anos não sai da minha cabeça. “Se tudo é uma questão de opinião e se todos têm direito à sua opinião, a força se torna a única forma de resolver diferenças de opinião”, diz a frase. Em 2019, e para alguém que naquela época defendia a liberdade de expressão absoluta, sem mediação nem mesmo da alma (que absurdo!), a frase foi difícil de engolir.

Afinal, ela dá a entender que as pessoas não precisariam recorrer à força (insultos, cancelamentos, linchamentos virtuais) se nem todos pudessem ou quisessem expressar sua opinião. Soa como censura, eu sei. Mas pare um segundinho para pensar. Viu? Não é. A frase dá a entender ainda que nem tudo é uma questão de opinião – o que, para alguém que vive de escrever todos os dias, soa como uma afronta. Pior: a frase paira ameaçadoramente como uma antevisão de um mundo violento dominado por opiniões dadas a esmo nas redes sociais, para o delírio daqueles que triunfam na discórdia.

Jacobs escreveu isso pensando naquele mundo de relativismo moral que pariu as ideologias totalitárias assassinas do século XX. Mas será que a frase seria diferente se ele falasse especificamente do nosso tempo? Não temos Holocausto nem líderes malucos de bigodinho ridículo pregando a superioridade de uma raça sobre outra e querendo dominar o mundo. Mas temos a torrente de opiniões inócuas (entre elas, as minhas) que, por mais que não queiram, por mais que sejam escritas para arrancar do outro um sorriso ou uma reflexão, muitas vezes acabam por fomentar uma discórdia estéril e cansativa.

Soco na boca do estômago

O problema é que o último século consagrou e exaltou a força como a forma mais “admirável” de se resolver diferenças de opinião. Repare: há toda uma geração que aprendeu a considerar inteligentes artistas e intelectuais que abdicam da criação e optam por táticas de guerra para se fazerem relevantes no debate público. (Convém dizer que, num momento especialmente bom do livro, Jacobs menciona a prevalência de termos bélicos para nos referirmos ao debate de ideias. “Fulano destruiu/arrasou Sicrano”, “Depois dessa Beltrano perdeu até o rumo de casa”. E por aí vai).

Recursos até outro dia vistos como vulgares ou indignos de uso em querelas científicas, por exemplo, são exaltados como sinal de perspicácia, malandragem e, em última análise, inteligência. Quando se trata de querelas estéticas, a coisa piora: prevalecem o niilismo, com seu manto negro de desconfiança, quando não de descrença mesmo. Não à toa, o mistério da Monalisa seduz muito mais do que a Monalisa em si.

Assim temos que admirável (até por sua, oh, coragem!) é o escritor cujo texto é um soco na boca do leitor. Também vemos nascer às ninhadas celebridades, influencers e anônimos-famosos tão tão tão acostumados ao sarcasmo que já nem dá para saber se o “bom dia” deles é sincero. Mais do que uma irritação passageira, essa opção pelo discurso agressivo como se ele fosse expressão máxima da inteligência acaba por dar origem a uma sociedade eternamente em guerra, na qual ninguém acredita em ninguém e na qual todos estão sempre à espera de um morteiro – que, infelizmente, pode vir até mesmo daquele que até outro dia você considerava amigo.

Em tempos de histeria, truculência e narcisismo, talvez esteja na hora de intelectuais e artistas (no sentido de pessoas que expressam quaisquer ideias algo mais elaboradas) fazerem uma escolha: serem reconhecidos como homens (e aqui uso o termo no sentido de ser humano, não de macho) inteligentes, mordazes, perspicazes e provocativos (no pior sentido da palavra) ou serem reconhecidos como pessoas inegavelmente boas, ainda que os inteligentes, mordazes, perspicazes e provocadores os acusem de serem os mansos ou até covardes que, evidentemente, não são.

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