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Polzonoff

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"Ensina-me, Senhor, a ser ninguém./ Que minha pequenez nem seja minha". João Filho.

Eis a questão

Tuitar ou não tuitar: a velha peleja entre a coragem, a covardia e a prudência

TUITAR OU NÃO TUITAR
Um criminoso fascista e antidemocrático usa VPN para tuitar. (Foto: Gerado por IA)

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Aqui em casa as discussões costumam ser prosaicas. Ir ao mercado no sábado ou no domingo? Qual o sabor da pizza para comermos assistindo a qual série ou filme? Débito ou crédito? A essas dúvidas, contudo, a censura sempre asquerosa de Alexandre de Moraes & os seus acrescentou outra: tuitar ou não tuitar enquanto vigoram as truculentas medidas de exceção que transformam um simples tuíte ou um like num crime passível de multa?

Foi assim que eu e minha mulher passamos o fim de semana: decidindo se seríamos corajosos ou covardes, rebeldes ou obedientes, cidadãos cumpridores da lei ou criminosos e talvez até um pouco antidemocraticozinhos. Ou seja, se tuitaríamos ou não; se usaríamos VPN ou não; se recorreríamos ao ridículo expediente do Meu Primo que Mora nos Estados Unidos ou não.

Confortavelmente heroico

A princípio, venceu a rebeldia. Ou quase isso, porque para mim o Twitter continuou disponível até a noite de sábado, então eu não tinha muito contra o que me rebelar. Graças a esse atraso para a operadora da qual sou cliente obedecer às ordens ilegais de Alexandre de Moraes (Art. 5º da Constituição, etc. e tal), porém, pude ver que, depois do AI-X decretado no dia 30 de agosto, o simples ato de curtir um tuíte estava sendo visto como resistência. Como desobediência civil. (E eu lá, vendo tudo sem VPN nem nada).

E há mesmo algo de heroico – confortavelmente heroico – em contrariar uma ordem totalitária e esdrúxula, dada por um homem já totalmente perdido na necessidade de defender seu poder. Afinal, Alexandre de Moraes sabe que cometeu tantos, tantos, tantos erros que sua queda é sinônimo de um castigo muito mais severo do que a impossibilidade de se empanturrar de lagosta nos banquetes supremos. Há algo de prazeroso em crer que nossos tuítes rebeldes apressarão a queda do sujeito.

Tanto que, pelo que vi (e admirei) nos últimos dias, até hoje o simples ato de tuitar é como dar um grito de liberdade daqueles bem épicos, com direito a uniforme impecável, espada apontando para o alto e um cavalão todo garboso numa pintura de Pedro Américo. Ou melhor, é como instalar um aparelho revolucionário cheio de livros do Olavo de Carvalho para planejar, sei lá, o sequestro do Embaixador da China.

Dane-se! ou péra-lá?

Por outro lado, não tuitar nem dar uma espiadinha naquele caos proibido foi visto como obediência – que não raro está de mãos dadas com a covardia. E ninguém gosta de ser visto como covarde. Foi isso, aliás, o que argumentei ao defender minha tola (mas livre!) obsessão de dar opinião sobre tudo. Ou pelo menos de divulgar meus textos lá no Twitter agora proibidão.

Nesse rápido embate entre o impulso e a razão, entre o dane-se! e o péra-lá!, entre o não-dá-nada e o 0-xandão-tá-armando-um-8/1-digital, eu teria cedido facilmente ao heroísmo-de-sofá. Não fosse pela voz da prudência.

Bússola

A prudência, que, coitada, costuma ser confundida com aquela cautela que, sob o manto da sofisticação, esconde o monstrengo do medo. Mas que não é nada disso. Prudência que, se me lembro bem da aula do meu amigo Bernardo Lins Brandão, é apenas o uso inteligente das virtude a fim de se alcançar um objetivo santo – e nunca para satisfazer um vício.

A prudência é a bússola que orienta nossas decisões. Tanto as certas quanto as erradas. O problema é que a prudência, apesar de rimar com urgência, não se dá muito bem com essa nossa época que exige decisões rápidas sobre questões que um dia já foram triviais, mas hoje não são. Como, por exemplo, tuitar – ou não tuitar.

Like contrabandeado

Foi assim que decidi, por enquanto, ter um pouco da paciência que tanto me falta – e esperar que a névoa da insanidade se dissipe um pouco. Porque, apesar de apreciar uma boa desobedienciazinha e de curtir uma rebeldia algo tardia para meus quase 50 anos, não confio mais na “lógica” jurídica que vigora no Brasil.

Não acredito no devido processo legal, muito menos no amplo direito à defesa. Nem na capacidade de discernimento dos ministros do STF ou de qualquer outro juiz que pudesse vir a julgar se meus tuítes eram meus ou eram escritos pelo Meu Primo que Mora nos Estados Unidos. Não acredito que não haja um veredito já escrito para qualquer um que tenha cometido o terrível crime de ignorar o que determinou o Cala-boca Geral da República – e tuitar.

É o jeito: resignar-se à obediência temporária, reconhecendo que, neste momento, o inimigo é invencível. E enquanto não perceberem o perigo de ter alguém como Alexandre de Moraes se considerando a encarnação da Lei e da Democracia, e enquanto houver colaboracionistas, e enquanto Rodrigo Pacheco aguentar o peso da cumplicidade (essa, sim, covarde), continuará sendo. Apesar do inegável prazer de um ou outro like contrabandeado.

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