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“Grande - se não maior - prova da qualidade da música do Los Hermanos foi a presença do mítico e sempre polêmico Olavo de Carvalho no show da banda, no Canecão, na última sexta-feira. No meio de menininhas de saias plissadas, pit-boys tatuados, surfistas com parafina no cabelo, quarentões de bermuda e até um ou outro punk de boutique, lá estava o filósofo e caçador de comunistas. Quando o vi pulando ao som de "Pierrô", já no bis, não pude acreditar. Como num desenho animado, esfreguei os olhos para ter certeza: era mesmo ele, Olavo de Carvalho. Vencendo minha timidez e também a resistência dos fãs que se acotovelavam na pista central, me aproximei e me apresentei”.
Assim começa a crônica “Olavo de Carvalho: o roqueiro improvável”, que escrevi aos 25 anos de idade. E para a qual não darei link porque não faço nenhuma questão de ser confundido com o que fui um dia. Não que eu me envergonhe do que escrevi. Digo, estilisticamente há partes que me causam uma repulsa até física. Fora isso, o texto está por aí a quem quiser acessá-lo e lê-lo pelo que ele é: só uma bobagem produzida por alguém que, naquele momento da vida, acordava desesperado por uma simples razão para continuar escrevendo.
Ao longo dos últimos 19 anos (caramba, como estou velho!), muita gente me perguntou por que escrevi a crônica. Uns fizeram a pergunta educadamente, com curiosidade sincera ou etílica. A maioria, contudo, me perguntou isso de dedo em riste, me ensopando com uma tempestade de perdigotos raivosos. Como pude ter a ousadia, a coragem, o desplante (adoro essa palavra) de colocar Olavo de Carvalho num show da banda Los Hermanos?! O que eu pretendia com isso?!
Correndo o risco de ser chamado de um ególatra autorreferente (corre lá para a caixa de comentários e escreve “Seu ególatra autorreferente!”), achei por bem, hoje, reler o texto, com o qual não tenho contato há pelo menos uma década, e responder a essas perguntas para as quais, na verdade, nunca encontrei uma resposta satisfatória. Digo, para a pergunta sobre a ousadia, coragem e desplante (já disse que adoro essa palavra?) até tenho uma explicação que meus advogados consideram razoáveis: eu era um piazote de 25 anos, estupidamente sóbrio e embalando pensamentos a esmo ao som de “Pierrô” no meio de um show lotado numa casa noturna do Rio de Janeiro. Até cabelos eu tinha! E, naquela época, se havia algo que não me faltava era ousadia.
Cheio de sonhos e planos (aqueles mais do que estes), em 2003 larguei tudo (que na realidade era bem pouco, quase nada mesmo) para morar no Rio de Janeiro. Eu era invencível. Longe de ser indiferente a mim, o Universo me prestaria todos os favores que eu requisitasse. Nada era impossível. Inclusive escrever uma crônica que colocava Olavo de Carvalho no meio de um show de uma banda legalzinha, vai, mas não bota pra tocar, não! E, pensando bem agora, a crônica é muito mais sobre o show, a banda, as músicas e o rock. Ou talvez eu não saiba mais interpretar meus próprios textos, o que é sempre uma possibilidade.
Já sobre as pretensões é mais difícil responder. Hoje sou alguém muito muito muito muito diferente daquele moleque-que-se-achava-homem. (Hoje sou um homem-que-se-acha-moleque). Mas, levando em consideração que continuo gostando de fazer ficção usando personagens contemporâneos (talvez por um defeito de imaginação até), diria que foi justamente isso o que me levou a escrever o texto que, combinemos, não chega a ser um clássico da literatura infanto-juvenil. Ou seja, minha pretensão era simplesmente a de tornar fictício o mundo real.
E, se você notar pelo vocabulário, era ainda uma forma de demonstrar meu descontentamento com o que via como uma “paranoia”. Perdão pela minha estupidez imberbe. Sem falar que, aqui e ali, eu meio que declaro independência de um clube que, fui saber tempos mais tarde, não me queria como sócio. Por fim, acredito que eu quisesse deixar registrado o quanto estava com a razão só para depois poder jogar na cara: “eu avisei! eu avisei!”. Como já dizia alguém, acho que Nelson Rodrigues, a juventude é uma doença que felizmente o tempo se encarrega de curar.
A crônica não me trouxe absolutamente nada de bom. De ruim, somente os perdigotos. Em termos de visibilidade, repercussão, influência ou sei lá o que, o máximo que ela me rendeu foi uma resposta do próprio Olavo de Carvalho. Que se irritou (por quê?!) com a crônica. Como diz um sábio (eu mesmo), é a tal coisa: às vezes a gente escreve sorrindo o que os outros leem rosnando. E eu sempre escrevo sorrindo. Se bem que naquela época… De qualquer modo, diz a nota de Olavo de Carvalho:
“Apelo humanitário: Há anos esse tal de Paulo Polzonoff Jr., que nunca vi mais gordo mas ao qual me recordo vagamente de ter dado uma entrevista por e-mail após muitas solicitações, vem mendigando um pouco da minha atenção, como se não tivesse outra razão de viver senão a esperança de tornar-se íntimo de Olavo de Carvalho. Como nunca foi atendido, a carência deve ter chegado ao limite do insuportável, de modo que o infeliz começou a buscar satisfação em sonhos, de maneira inequivocamente masturbatória, acreditando ver-me por toda parte onde nunca estive e até -- ó momento de glória! ó êxtase sublime! -- conversar comigo. Por uma simples questão de humanidade, peço que me forneçam o endereço do rapaz, para que eu possa lhe enviar um autógrafo, o qual ele poderá estampar em camiseta, ostentando-o pelas ruas e alcançando assim o alívio de seus padecimentos. Se o [site que publicou originalmente o texto] aceitar colaborar comigo nesse empreendimento humanitário, teremos com isso dado início à campanha Complexo de Inferioridade Zero, que poderá estender seus benefícios a milhões de polzonoffinhos Brasil afora. Tudo pelo social, caramba!”
Olavo de Carvalho nunca me mandou o autógrafo que eu estamparia na camiseta e ostentaria pelas ruas como prova de que havia realizado o desejo de me tornar íntimo dele. Uma pena. Teria sido legalzão participar das manifestações pelo impeachment de Dilma Rousseff com a camiseta, ostentando o autógrafo de Olavo de Carvalho. Talvez eu tivesse até encontrado uma namorada assim e… Não me dá corda que já começo a inventar história. O fato é que o autógrafo não veio, duas sacolejantes décadas se passaram e eu, ainda bem!, não sou mais o que fui um dia. E agora não dá mais tempo.