No sábado (2), meu amigo me mandou mensagem contando que havia sido censurado. “Como assim censurado?!”, perguntei. “Censurado, ué. Cortaram tudo o que eu falei. O tema era ██████ ████. Aí já viu”, disse ele, que no dia anterior havia dado uma entrevista ao programa ████ █ ██ ████, da █████ ███. Meu amigo se surpreendeu ao constatar que sua fala, crítica-mas-respeitosa, foi sumariamente tirada do ar. “Posso te ligar?”, perguntou ele e é claro que podia.
Na condição de amigo do meu amigo, a primeira coisa que quis saber foi se ele tinha certeza. “Não foi nenhum problema técnico? Você não está exagerando?”, perguntei, ao que ele me respondeu com um “não” enfático e outro hesitante. “Não houve nenhuma falha na entrevista e, além disso, o entrevistado que me antecedeu não teve a fala cortada. Sobre o exagero, bom, é uma das coisas que passa pela cabeça da gente. Aliás, é por isso que estou te ligando”, respondeu ele.
Ele não queria fazer uma denúncia nem dar escândalo. Por outra, queria apenas divagar sobre as coisas que passavam por sua cabeça naquele momento. O que, pensando bem, chega a ser surpreendente. Afinal, há não muito tempo o amigo era do tipo que achava que toda e qualquer injustiça (ou o que ele visse como injustiça) precisava ser alardeada, berrada, gritada. A fim de que, uma vez reparada, a injustiça jamais se repetisse. Mas isso foi antes de o amigo se entender pequeno e limitado.
“Até concordaria em dizer que chamar de censura é exagero. Mas tem alguns elementos aí. Primeiro que, dois dias antes, a mesma emissora censurou uma jornalista que fez menção ao corpanzil do ████. Depois tem o próprio personagem, o objeto da entrevista, que não é exatamente conhecido por seu apreço pela liberdade. Assim, e a não ser que você tenha outro nome para isso, não é difícil ligar os pontos e chegar à conclusão de que foi... censura, né?”, disse ele.
Desabafos
Não era. Mas me permita insistir mais um pouco na ideia de que tudo não passou de um mal-entendido. “Você falou algo sobre o IMC do ████? Sobre a forma circular do ████? Sobre o apetite insaciável do ████?”, perguntei. O amigo respondeu que não. “Fui duro, mas em nenhum momento apelei para a caricatura. Disse que ele é comunista. Filiado ao Partidão. Disse que ████ fará um mal danado a um ███ que já atua como órgão político, como confessou o Barroso recentemente. E, na tentativa de dar um pouco de alívio ao espectador, até forcei a barra num otimismo improvável”, disse ele.
Já tinha entendido, como você também entendeu, que o amigo havia sido respeitoso. Mas ele queria falar e por isso lhe cedi mais uma vez o dois-pontos e as aspas: “Disse que, na condição de comunista, talvez (talvez! – dei muita ênfase nesse ‘talvez’, para que ficasse bem claro que era um delírio de minha parte) o ████ assumisse uma postura algo mais nacionalista e se opusesse à Agenda 2030 da ONU, que norteia todas as decisões do STF”. Era uma obsessão do amigo procurar a agulha da esperança no palheiro do caos lulista.
Então vamos combinar que foi censura mesmo. A partir daí, meu amigo tinha dois desabafos a fazer. O primeiro era o de que ninguém dava a menor bola para esse ou outros ocorridos do tipo. “Ou até dá. Diz que é absurdo e lamentável, mas... Você viu que o Alexandre de Moraes multou em R$600 mil uma mulher por um tuíte que teve 61 visualizações? Ninguém liga!, cara”, disse ele. “Na verdade, a maioria até duvida. Você duvida. Diz que é exagero de minha parte. Que foi uma infeliz coincidência. Ou pior: sugere que a culpa foi minha, porque eu teria sido desrespeitoso com o ████”, completou. Imaginei o amigo apontando o dedo gordo em minha direção e engoli em seco.
“E tem mais”, anunciou ele. Tinha. “Descobri que a maior perversidade da censura, do ambiente de censura, da mera possibilidade da censura é a de fazer o censurado questionar sua postura. Eu não devia ter aceitado falar sobre o ████. Por que fiz isso? Vaidade? Eu não devia ter usado essa palavra. Ou aquela. Eu não devia...”, disse. E, sem nem me dar tempo de continuar foi logo emendando o segundo desabafo, aquele tinha ficado faltando no parágrafo anterior. “Na censura, o que ofende é a covardia: a própria e a alheia”, disse ele, taxativo.
Própria e alheia
Avisei ao amigo que o texto estava ficando grande demais, desculpe, dá para ser mais direito?, o leitor não tem tempo. Ele disse que estava terminando. Me pediu outro dois-pontos e mais aspas e: “A covardia própria porque a gente se vê obrigado a se questionar se vale a pena arriscar alguma coisa, qualquer coisa, só para fazer um comentário sobre ██████ ████. Se vale a pena arriscar a liberdade, a paz familiar, o patrimônio, o emprego e até os planos de futuro por causa de um █████ daqueles. Você acha que vale?”, explicou e perguntou ele.
Meio no susto, respondi que não. Ainda não. Ele continuou: “A covardia alheia porque a gente se lembra que teve jornal publicando receita de bolo ou trecho dos Lusíadas durante a Ditadura Militar. E hoje em dia esse mesmo jornal... Ah, deixa para lá. É muito fácil ficar falando da covardia alheia. Melhor nos atermos à nossa mesmo. Afinal, é sobre ela que podemos fazer alguma coisa, né? Não muito, mas alguma coisa”.
Respondi que sim, que só podemos fazer alguma coisa, qualquer coisa, em relação à nossa covardia. Ele pareceu contente com a minha validação. “Mas chega de lamúrias. Como é que vai a sua mulher?”, perguntou ele e a conversa se estendeu. Antes de finalmente desligarmos, eu o ouvi bufar demoradamente. Como se lhe pesasse um mundo sobre os ombros. Anda cansado, esse meu amigo.
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