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Por Athayde Petreyze, cetólogo*.
Estava na pista do show da Taylor Swift esperando para me esbaldar de dançar com “Shake It Off” (sei a coreografia e tudo) quando vi tocar meu pager. Contrariado, saí do estádio e me desviei de uns três arrastões até encontrar um orelhão. Liguei a cobrar para o editor J. J. Cidinho e ouvi as instruções. Sem hesitar, saí desembestado por entre os swifties que se refrescavam do calor nas próprias lágrimas (só depois fiquei sabendo que a Tetê cancelou o show) e peguei um barquinho disposto a singrar os sete mares para entrevistar a baleia jubarte importunada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro.
Munido de um binóculo, um sonar e, claro, meu indefectível faro jornalístico, me pus na proa da embarcação e, por um instante, senti falta de ter uma Rose para envolver com meus braços ao som de “My Heart Will Go On”. Mas isso não vem ao caso. O fato é que fiquei ali, mirando o horizonte à procura do cetáceo. Ao balanço das vagas que jogavam a embarcação para um lado e para o outro, aqui e ali deixava a observação de lado para refletir sobre a obsessão dos Ahabs petistas em matar o monstro bolsonarista. Até aqui, já tentaram joias sauditas, minuta de golpe em papel de pão, carteirinha de vacinação. Que mais? Provavelmente estou me esquecendo de alguma coisa.
Por um instante, me arrependi de não ser incumbido de escrever uma paródia de Moby Dick, obra-prima de Thomas Mann**. Mas nem deu tempo de chafurdar no arrependimento. Porque ao levar o binóculo aos olhos (não, à testa decerto!) mais uma vez, eu a avistei. Toda baleiona, como não poderia deixar de ser. Ao me ver, o peixão que se identifica como mamífero*** deu lá o showzinho dela e se lançou no ar com seus 15 metros e 30 toneladas. Desviando-me de afiadas rochas de gordofobia que ameaçavam afundar este texto, cheguei mais perto e:
Oi, Dona Baleia. Fiquei sabendo que o ex-presidente Jair Bolsonaro a importunou. E não só isso. Ele a importunou intencionalmente. Pode nos contar exatamente o que aconteceu?
Baleia? É muita ousadia sua, em pleno 2023, vir me chamar de baleia. Eu sou um cetáceo. Mais respeito! Ou melhor, Megaptera novaeangliae. Meggy, para os íntimos.
Desculpe, Meggy. Não é minha intenção ofendê-la.
Tudo bem, mas que não se repita, hein? Por falar nisso, você tem autorização do Ibama pra me entrevistar?
Bom, a entrevista é só uma crônica. Eu não sabia que precisava de autorização...
Humpf – disse a Meggy, soltando um jato de água pelo espiráculo, e me obrigando a pesquisar o nome daquele buraco no alto da cabeça dela.
Mas, afinal, o que aconteceu naquele dia, Meggy? Você pode nos contar?
Então. Eu tava tranquilona aqui, me empanturrando de krill, quando de repente vi um senhor se aproximar de jet ski. Não dei bola. Continuei comendo krill e me exibindo para os humanos. Meses mais tarde, recebi a visita do Ministério Público e da Polícia Federal. Eles me disseram que é crime chegar perto de um cetáceo como euzinha.
Então ele não te importunou?
Foi o que eu disse para o MPF e a PF: o que é importunar, não é mesmo? Tudo é muito subjetivo e tal. Me importuna mais ter um cefalópode na Presidência. Digo, o cara do jet ski não veio me fazer cosquinha nem nada. Mas aí me disseram que a pena para importunação intencional de baleia é de dois a cinco anos de prisão, que o cara do jet ski é um fascista e que para os amigos vale tudo e para os inimigos vale a lei...
E aí?
Aí nada. Sou baleia, mas não sou burra. Entendi o que estava acontecendo e não quero confusão. Imagina ter que depor em CPI e reencontrar a parentaiada no Congresso! Pior: imagina ter minha imagem toda esbelta associada ao PT ou ao Alexandre de Moraes. Já basta ser associada aos ecochatos. Tenho mais o que fazer. E o krill nessa região é tão gostoso. Por falar nisso, ai, acho que comi demais.
Dito isso, a baleia pediu desculpas e, segurando a barriga com as nadadeiras, nadou correndo (sic) para o fundo do mar. De posse daquele, ou melhor, deste depoimento precioso, dei meia-volta com o barquinho, me desviei novamente das perigosas rochas da gordofobia e voltei ao Rio de Janeiro a tempo de ver o último arrastão do dia.
* Athayde Petreyze é colunista social, sociólogo, socialista não-faccionado e, nas horas vagas, cetólogo. Que é um ramo da zoologia que estuda os cetáceos – seu mente poluída! Nos anos 1980, ele entrou de gaiato num navio do Greenpeace. Entrou, entrou, entrou pelo cano. Apesar de já ter escrito várias matérias para este jornal, ainda há quem diga que Petreyze não existe. Vê se pode uma coisa dessas. Para responder a essas acusações caluniosas, ele acaba de lançar a autobiografia pop-up “Humpf – memórias de uma mentira bem contada” (Ed. Ícula).
** Eu sei que “Moby Dick” é de Melville, não de Thomas Mann. Essa foi para ver se vocês estão espertos.
*** Ou mamífero que se identifica como peixe? Já não sei mais.