Caro leitor,
De um grande amigo que identificarei apenas pelas iniciais L.M. recebi uma mensagem preocupante. Emocionado como bom e velho carcamano que é, ele se diz fragilizado com a gritaria recente que vem lá de Brasília e que clama por aborto e toda sorte de velhacarias. Ele não é o único, deduzo.
E não se trata, aqui, de um incômodo meramente político-partidário. É que parece que os homens públicos estão completamente embriagados de poder e, nas sarjetas opulentas da vida que levam, esqueceram conceitos que serviam de freio até para notórios pulhas como Getúlio Vargas ou Antônio Carlos Magalhães.
Como a velha e boa honra – que hoje ninguém nem sabe mais o que significa. Honra que servia de freio aos ímpetos maléficos, nem que fosse por vaidade. Nem que fosse pelo desejo mesquinho e algo patético de se tornar personagem de um obituário laudatório.
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Por isso, ao observar a ralé que nos governa me permito às vezes delirar um tiquinho e, em imaginação, perguntar aos Toffolis e Alexandres de Moraes da vida; aos Liras e Pachecos; aos Pimentas e Haddas; e até à ralé que não nos governa, mas nos manipula ou tenta, como os Reinaldos e Danielas: quando foi que você desistiu de ser uma pessoa boa?
Simplesmente ser uma pessoa boa...
Porque é disso que se trata o momento que estamos vivendo. Por algum motivo, tanto na esfera pública quanto na privada, os homens desistiram do ideal ancestral de serem pessoas boas. Simplesmente boas. Serve para o Lula e para os ministros do STF e chega até ao vereadorzinho de, sei lá, Fartura do Piauí. Serve também para amigos e pais e colegas de trabalho e chefes e bilhões de anônimos daqui até a Cochinchina.
É uma desistência no atacado. E que parece definitiva, mas tomara que não seja. Mais do que isso, me parece que a ideia de ser uma pessoa boa hoje em dia se tornou um obstáculo para os que adoram o grande bezerro de ouro do nosso tempo: o sucesso. Não à toa, o homem bom é visto como um otário, quando não como um perdedor.
E aqui chego a um momento crucial desta missiva, quando olho nos seus olhos e lhe pergunto: você também desistiu de ser uma pessoa boa? Se não, ótimo, maravilha, precisamos marcar um chope e celebrar. Se sim... por quê? O que aconteceu?
Não se trata, porém, de uma pergunta que se faça em tom acusatório, com o dedo em riste. É compreensível que muita gente tenha desistido de serem pessoas boas. Porque parece que o mundo assim exige. Que o Universo conspira. Senão o mundo te esmaga, de destrói, te joga numa vala comum, te humilha. E você, porque é bom, ainda oferece a outra face.
“Ah, isso é impensável hoje em dia! É loucura!” – você vai dizer e não tenho como refutar. Por isso, só lamento que a nobre aspiração à bondade tenha, de fato, se tornado loucura, ao passo que a maldade, a perversidade e o sadismo são vistos como o caminho normal e seguro daqueles que almejam aplausos, dinheiro, poder e sucesso.
E te digo isso expondo meu coração dilacerado por todas as vezes em que, reconheço, troquei a bondade mais difícil pela maldade mais conveniente. E não foram poucas as ocasiões... Errei, falhei, fracassei. Inclusive é possível que esteja fracassando agora mesmo, ao escrever estas palavras facilmente confundíveis com um discurso hipócrita ou autocongratulatório.
Teimosamente, porém, não desisto nem desistirei de ser um homem bom – ainda que tenha que pagar um preço alto por isso. Ainda que tenha de sair como o otário ou vilão da história. E tudo bem, reconheço que num mau dia é possível que eu seja tudo isso e tantas outras coisas más. E no entanto o objetivo continua sendo o mesmo: me tornar não a melhor versão de mim mesmo, que é um discursinho egoísta pusilânime, e sim um homem bom.
Um homem bom como L.M., pai e avô e amigo que me mandou uma mensagem emotiva se confessando fragilizado pela realidade que nos chega pelos jornais e que resume a vida a uma interminável briga entre homens sem honra e que têm por objetivo único o que eles consideram vitória mas que nós sabemos bem: é derrota – e derrota eterna.
Um abraço do
Paulo
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