É muito fácil descrer das pesquisas. Mas e se a esquerda souber que não precisa levar o povo às ruas porque sabe que ocupou as instituições?| Foto: Bigstock
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Diante da inegável crise de credibilidade por que passam os institutos de pesquisa, que insistem em dizer que o ex-presidente Lula ganharia com folga a disputa presidencial em 2022, o jornalista José Carlos Bernardi sugeriu que no questionário fosse incluída a pergunta que dá título a este texto.

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Arrisco-me a dizer que o resultado de uma pesquisa que incluísse a pergunta “Você se incomoda em dar seu voto a um político corrupto?” seria 97% “sim”, 1% “não” e “2% “não sei”, com margem de erro de 2 pontos percentuais para mais ou para menos. Afinal, o ser humano é muito zeloso de sua imagem, mesmo que essa imagem esteja restrita à conversa com um entrevistador anônimo. E ninguém quer ser visto como cúmplice de corrupção ou coisa parecida.

Bernardi, compreensivelmente, não confia nas pesquisas que apontam Lula como alguém capaz de vencer as eleições. Ele não está sozinho. Afinal de contas, Lula atraiu para si a imagem de corrupto, a despeito do que digam as decisões recentes do STF. E reza a “lógica” que ninguém em sã consciência daria seu voto a um político cuja imagem está associada aos grandes esquemas de corrupção. Não depois da Lava Jato. Não sem sentir um incômodo na alma.

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Para mim, esse raciocínio pode até prover certo consolo. Mas há problemas. Primeiro, esse raciocínio parte do pressuposto de que o eleitor tem a corrupção como um mal absoluto e imperdoável. E muitos realmente o têm, até porque entendem direitinho a relação entre a corrupção e todos os outros graves problemas do país. Muitos, mas não todos. Talvez nem mesmo a maioria. Nessa análise, entram variáveis tradicionalmente ignoradas pela “direita”, como o carisma do ladrão e a, digamos, evidência anedótica de que, apesar da corrupção, a vida era melhor nos anos do PT.

Não estou dizendo que era. Porque não era mesmo. Havia toda uma maquiagem para parecer que fosse. Mas a pessoa olha para a sua sala mobiliada, a cozinha cheia de eletrodomésticos, o celular na mão (a prestação está atrasada). E se lembra da geladeira cheia de comida e dos churrascos com os amigos e dos intermináveis rolês no Opalão. Resultado: para esse personagem imaginário que responde a pesquisas de opinião reais, a corrupção deixa de ser um impeditivo para que ele vote em Lula (ou no poste que ele indicar) a fim de recuperar aquele passado idealizado.

Outro problema é que o raciocínio parte do pressuposto de que as questões morais são mais importantes para o cidadão/eleitor do que as questões atreladas à economia. E nessa equação confusa entra até mesmo a variável da pandemia, com seus lockdowns, a interminável discussão sobre o tratamento precoce, máscaras e vacinas, na qual economia e moral se misturam. São variáveis nas quais se ressalta o valor da liberdade, por exemplo, quando na realidade o cidadão/eleitor está mais preocupado é com os aspectos práticos da vida: o emprego, a continuidade do negócio, a possibilidade de ele voltar a dar churrascos para os amigos.

Em essência, o governo de Jair Bolsonaro erra duplamente. Erra, primeiro, ao dar prioridades a pautas inegavelmente importantes (inegavelmente importantes – vale repetir), como liberdade de expressão, defesa da família e até a maior transparência nas eleições, em detrimento de pautas que impactam diretamente a vida das pessoas. O governo insiste na narrativa de que estamos há mais de mil dias sem corrupção e... oba! Mas, até pela história moralizante da Lava Jato e pelo relativo sucesso da luta anticorrupção nos últimos anos, não ser corrupto deixou de ser uma virtude. “Não faz mais do que a obrigação”, pensa o cidadão, aquele mesmo que, na pesquisa de opinião, responde que se incomodaria, sim, em votar num corrupto - mas vota mesmo assim.

O erro mais grave, contudo, é a estratégia de desacreditar os institutos de pesquisa levando multidões às ruas e insistindo na ideia de que, se a esquerda é incapaz de mobilizar as massas, é porque ela não conta com apoio popular. Por essa lógica, a esquerda não contaria com intenções de voto. Logo, as pesquisas estão erradas e tudo é um grande complô.

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Esse é um argumento que pode dar até um quentinho no coração daqueles que, como eu, não querem a volta do PT ao poder. Mas, infelizmente, é um argumento que não se sustenta. Porque a esquerda sabe que não precisa levar multidões às ruas para demonstrar o poder institucional que ela já detém. E a esquerda sabe que, sempre que for abastecer o carro ou comprar carne no mercado, até mesmo o cidadão mais indignado com o petismo se lembrará, nem que seja por um átimo, daqueles anos prósperos, quando corrupção e proteínas eram abundantes à mesa.