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Texto originalmente publicado na edição impressa do caderno Verão da Gazeta do Povo no sábado (02/01).

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– Pai, deixa eu levar o videogame? – pediu o menino em uma última súplica, desesperada, manhosa, recorrendo àquela cara de choro manjada. Era o último trunfo para tentar persuadir o velho a mudar de ideia minutos antes de a família viajar pra praia.

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Ao ouvir a voz derretida, o pai deixou por um momento o desafio às leis da física de tentar encontrar espaço no carro para todas as malas da esposa e se agachou para conversar mais uma vez sobre aquilo com o menino.

– Filho, a gente já conversou… Papai já te explicou. Você não vai precisar de videogame lá na praia. Vai ter tanta coisa legal pra gente fazer. Futebol na areia, frescobol, caçar tatuí… Você gosta tanto de caçar tatuí. Não gosta?

– Gosto, mas quero jogar videogame também. E lá não tem. Quero o meu!

– Filho, teus amiguinhos de praia vão estar lá. E faz tanto tempo que você não fala com eles. Um ano! Ou vai me dizer que você não gosta mais de jogar betes, brincar de esconde-esconde…

– Ah, pai, deixa eu levar. Por favor! – olhou para o pai com um bico deste tamanho.

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– Não, filho, você não vai levar. A gente já conversou, papai já te explicou direitinho porque você não vai levar. Você pode jogar videogame todos os dias aqui em casa. Lá na praia a gente vai fazer coisas diferentes. Não precisa de videogame. Deixa aqui.

– Mas e se um ladrão entrar na nossa casa e roubar o videogame? Depois nunca mais vou ter outro.

– Deixa de ser exagerado. Ninguém vai entrar na nossa casa. E pra garantir, nós dois vamos guardar o videogame em um lugar bem seguro, onde o ladrão não vai achar de jeito nenhum.

– E se ele achar?

– Se ele achar o papai compra outro.

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– Compra outro?

– Compro.

– Um melhor ainda?

– Um melhor ainda! – prometeu ao guri, lembrando a si mesmo que ainda estava pagando prestações bem salgadas do aparelho.

– Mesmo?

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– Mesmo! Fechado?

– Fechado!

– Toca aqui, campeão! – a mãozinha pequena bateu com força na palma do pai. Correram os dois para ver o melhor lugar onde esconder o aparelho. Botaram numa caixa de papelão e esconderam atrás da geladeira.

– Que ladrão vai adivinhar que tem um videogame aqui atrás da geladeira, hein? – disse dando uma piscadela para o menino.

Uma semana depois um ladrão aproveitou a falta de movimentação, entrou pelo muro e arrombou a janela dos fundos. Macaco-velho no ofício da mão grande, revirou os lugares mais inóspitos, onde as pessoas acreditam estar seguros seus pertences. Ao entrar na cozinha, puxou a geladeira de lado e deu de cara com a caixa de papelão. Abriu e encontrou o videogame.

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– Mais fácil que encontrar tatuí na praia! – exclamou o gatuno, antes de partir com a caixa debaixo do braço.

Na volta, restou ao pai assumir mais prestações de um videogame novo – e mais moderno. Com a diferença de que nas próximas férias eles levariam o aparelho para a praia. E ele mesmo jogaria com o guri. Porque esse negócio de caçar tatuí na areia perdeu a graça. Esse bicho anda muito fácil de ser encontrado.