Sábado, começo de noite, uma chuva danada e um frio de trincar os dentes. Me liga o Felipe Lessa, vulgo Lessinha.
– Marcão, tá fazendo alguma coisa aí?
– Não. E nem tem como. Com essa chuva…
– Então tô passando aí. Quero que você dê uma lida num texto que tô fazendo, que você dê uma pré-editada. Pode ser?
– Pode. Chega aí.
Meia-hora depois, chega o Lessinha. Como sempre, devidamente paramentado com a farda do Londrina Esporte Clube. Se algum dia eu encontrar o Lessinha na rua sem algum adereço do Tubarão na vestimenta, creio que não vou reconhecê-lo. A camisa alviceleste é a segunda pele do Lessinha. Mas nesse dia estava por cima de uma blusa de lã grossa. Afinal, não há paixão clubística e nem tecido adiposo – e olha que o Lessinha tem os dois de sobra – que esquente o organismo no frio siberiano que tem feito por esses dias.
Mas antes de botarmos a cara na tela do computador para conferirmos o texto (um belo relato sobre um torcedor do LEC tão fanático quanto o próprio Lessinha), minha mãe interveio. Disse para nos sentarmos à mesa porque a sopa da janta estava pronta. E ordem de mãe é que nem sentença de juiz: não se discute, cumpre-se.
E foi durante a janta que o esquema tático desta croniqueta começou a se desenrolar. Ali, bem na minha frente, vi uma troca de passes entre a dona Marcelina e o Lessinha no gramado do bate-papo digna de um Pelé e Coutinho.
– Mãe, o Lessa é “pé-vermeio” que nem a senhora – dei o apito inicial, sem saber que um clássico estava por vir. Expliquei a ela que o Lessinha é de Londrina. E para o Lessa, que minha mãe é de Jandaia do Sul, perto de Maringá, tudo no nortão do Paraná.
– Opa! É sempre bom encontrar um “conterrâneo”, porque “pé-vermeio” não mente pra “pé-vermeio”! – brincou a dona Marcelina, dando o pontapé inicial na redonda com um toque de classe.
– CeRRRteza, dona! – respondeu o Lessinha com aquele erre matreiro que só a rapaziada do Norte do Paraná sabe puxar.
Dali por diante, me limitei a escutar. Porque os dois não pararam mais de falar. Era só tabelinha um-dois. Passes curtos e precisos até o gol.
– Mas Londrina tá com tanta pomba, né? Esses dias fui lá visitar minha irmã e tive que tomar o maior cuidado pra não voltar pra casa com a roupa suja de cocô de pomba – começou a minha mãe.
– Ih, dona, quando eu era officeboy lá em Londrina voltava pra casa todos os dias metralhado. Não tinha um dia que não era alvo dassas malditas…- lascou o Lessinha entre uma colherada e outra de sopa.
Depois, descambaram a falar da dificuldade que é para quem é de fora se enturmar com a rapaziada aqui da capital. Minha mãe falou de como era a coisa há 36 anos, quando ela chegou à cidade. No que o Lessinha, que está aqui desde 2003, confirmou estar a mesma coisa.
– Uma vez, dona, apostei com um amigo que ia cumprimentar dez pessoas em Curitiba e dez pessoas em Bandeirantes (também no Norte do Paraná). Disse que as dez pessoas de Bandeirantes não só iriam me responder, como seriam simpáticas e puxariam assunto, enquanto que nenhuma de Curitiba iria me responder. Não deu outra. Eu passava de carro e gritava pras pessoas “aêêêêêê!!” [abre parêntesis – ele realmente gritou isso à mesa – fecha parêntesis]. Em Bandeirantes todo mundo me respondeu e aqui as pessoas ficavam até com medo. Tinha ceRRRteza que ia ganhar essa aposta! – contou o Lessinha o seu método científico e perspicaz de medir a simpatia dos curitibanos.
E assim foi a conversa dos dois até o fim da janta, comigo como espectador. O bate-papo estava tão animado que quase nos esquecemos de ver o texto. Li, disse pro Lessinha os ajustes que ele deveria fazer e ele foi embora.
No outro dia, minha mãe no café da manhã:
– Marcos, simpático esse menino que veio aqui ontem. Guri engraçado…
Mais tarde, aparece o Lessinha no meu computador:
– Marcão, ri um monte na conversa com a tua mãe ontem. Tava engraçado.
CeRRRteza que estava, Lessinha. CeRRRteza!