Cada vez que vou a um desses restaurantes de buffet por quilo e vejo as pessoas na fila, esperando o momento de se servirem, tenho a certeza de que é na hora do almoço que os tempos modernos cobram seu preço mais alto. Não é nem pelo valor da fichinha que se paga após circundar toda a variedade de pratos frios e quentes – o que também não deixa de pesar no bolso. Refiro-me a esse hábito forçado que a correria do dia a dia imprime, de sair só uns minutinhos do trabalho para se comer à velocidade da luz, só o tempo necessário de se jogar algo no estômago, que permita a você executar suas funções sem nenhum desmaio que tumultue o ambiente de trabalho durante o expediente.
Eu cada vez que vou a esse tipo de restaurante, especialmente quando há fila, sinto-me um pouco como as vacas à espera do capim. Só falta enfiar a cabeça em um dos buracos à beira do cocho, mastigar, engolir, terminar e voltar a produzir mais leite.
Pois muito bem, por conta de uma consulta no médico, na última quinta-feira precisei almoçar fora de casa (esqueci de dizer, sou dos raros afortunados que ainda faz isso no conforto do lar). Depois do médico, apesar da proximidade com o horário de meio-dia, eu ainda tinha um longo período até entrar no trabalho. Já municiado de dois jornais, reforcei o arsenal de passatempo com um Stanislaw Ponte Preta adquirido a preço de banana em um sebo. E, desprezando completamente todos os buffets por quilo que insistiam em cruzar meu caminho, lá fui eu bravamente ao velho Maneko’s Bar, ali na Praça Osório, para almoçar, ler um pouco e me distrair com as conversas fiadas dos fregueses.
O prato do dia me provocou: rabada com polenta. Mesmo sendo um apreciador da parte traseira do boi acompanhada com o milho moído cozido, refutei. Optei pelo tradicional arroz, feijão e bife. Afinal, a combinação rabada com polenta é boa, mas dá trabalho para comer e geralmente sobra para a camisa de quem a encara. E chegar com a roupa com manchas de comida ao trabalho não é lá nada exemplar.
Estou eu lendo os jornais enquanto espero chegar a comida, quando entra um casal de velhinhos, bem gordinhos. Uma coisa que aprendi nesse pouco tempo de cronista que tenho é que casal de velhinhos em bar ou restaurante sempre é boa fonte de histórias. Liguei meu gravador mental.
Sentaram-se à mesa ao meu lado, ela me direcionou um sorriso cordial que correspondi, enquanto ele cumprimentava o garçom, amigo de longa data. Conversaram um pouco e, pelo que entendi, aquela era uma saída estratégica: um dos filhos estava de marcação cerrada na alimentação dos dois, que andavam com alguma dessas moléstias chatas que nos impedem de sermos felizes comendo o que gostamos.
Cúmplices na traquinagem da fuga da dieta, pediram um aperitivo antes da comida. Um cálice de vinho para ela, uma batida de maracujá para ele. Um brinde entre os dois e ele ainda olha para mim e diz “servido?”. Agradeço e digo que não posso, pois ainda teria de trabalhar.
No que terminaram o aperitivo, ele chamou o garçom e foi logo pedindo a tal rabada com polenta, para a frustração dela.
– Mas logo hoje que a gente conseguiu dar uma escapadinha você já vai querer comer assim tão rápido? Ah, não, eu ainda vou provar uma empadinha… – disse ela.
O marido até tentou persuadi-la. Dizia que tinham pouco tempo, que tinham que voltar rápido, senão, provavelmente, o filho descobriria a escapadela. Mas ela não arredou pé. Disse que ia comer tranquila, sossegada.
Vencido pelos argumentos da esposa, restou a ele concordar e continuar o bate-papo sem tempo para terminar e nem para pedir a comida, muito menos para pagar a conta.
E ainda bem que ele decidiu concordar com a esposa. Porque mais um pouco daquela pressa para comer e eu me meteria na conversa, dizendo:
– Meu senhor, seja inteligente e faça o que a sua esposa está pedindo. O senhor não sabe o que é comer apressado todos os dias num desses restaurantes por quilo da vida…
Acho que ele me daria tanta razão, que até me ofereceria uma dose dupla de batida de maracujá.