Gomes nascera talhado para o cargo. Metódico feito um relógio suíço, preenchia todos os requisitos de um exemplar funcionário de repartição. Inclusive na forma de tratamento. Jamais fora chamado pelo nome de batismo no trabalho – o qual, aliás, ninguém por ali sabia qual realmente era. Nem mesmo quando ingressou na carreira pública, ainda jovem, quase imberbe. Nunca o chamaram pelo primeiro nome. Sempre pela alcunha de família.
O estranho não é Gomes ter sido tratado de Gomes a vida adulta inteira. O estranho é Gomes ter sido chamado de Gomes na infância. Ao contrário do senso comum entre as crianças, ele não tinha apelido na escola. À parte o peso um pouco mais reforçado que mantém desde pequeno, aos 12, 13 anos, faixa em que os apelidos brotam entre a gurizada, não era o Bolota, o Gordinho ou o Pança. Gomes já era o Gomes, justamente por não se destacar em nada além dos estudos. O que só reforçava o caminho de um destino já traçado: viera ao mundo com os talentos dos grandes burocratas, o de se orgulhar do crachá com seu nome e o de carimbar papeis incessantemente.
Muito desse tratamento distante vinha do próprio comportamento com os colegas de repartição. Reservado até o último fio de cabelo, Gomes falava estritamente de assuntos de trabalho. Seus diálogos se limitavam a protocolos, fichas, prazos, petições, arquivos. Definitivamente, não era dado a intimidades. Muito menos a conversas banais, fosse sobre a rodada do futebol, fosse sobre a novela das nove.
Mas algo diferente vinha acontecendo com Gomes nos últimos dias. A começar pelas escapadelas durante o expediente. Eram rápidas, coisa de minutos. Mas para quem nunca falhava no trabalho, eram de se levantar suspeitas.
E elas logo se confirmaram. Gomes, o sujeito mais solitário do pedaço, o cara que não falava com ninguém, estava com o coração preenchido.
Um fim de tarde de sexta-feira, entra uma loira de meia-idade, de vestido e salto-alto, cuja fragrância do perfume chegara ao balcão da repartição uns cinco segundos antes da própria mulher. Ela se dirigiu à mesa onde nosso personagem se esconde diariamente, sempre compenetrado atrás de uma pilha de pastas milimetricamente empilhadas, e disse em bom tom: “Agora chega de trabalhar. Nós vamos ao cinema, Gominho fofinho!”. Para seu próprio bem, Gomes deixara de ser Gomes.
Fim do ano legislativo dispara corrida por votação de urgências na Câmara
Teólogo pró-Lula sugere que igrejas agradeçam a Deus pelo “livramento do golpe”
Boicote do agro ameaça abastecimento do Carrefour; bares e restaurantes aderem ao protesto
Frases da Semana: “Alexandre de Moraes é um grande parceiro”
Deixe sua opinião