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Prece atendida


Para o meu próprio bem-estar, decidi voltar a escrever no Populares. Dobrei o lençol da preguiça e joguei lá no fundo da gaveta. E espero que lá fique por um bom tempo. Do contrário, corro sérios riscos, já que havia mais gente me cobrando, praticamente ameaçando minha integridade física caso eu não voltasse, do que aqueles formigueiros de pessoas que a gente vê nas fotos dos garimpos de Serra Pelada.

Tudo bem, não era tanta gente assim. Na verdade era bem menos. Era a meia dúzia de sempre. Aquela rapaziada jóia, só camisa 10, que nunca desiste da gente, manja?

Mas tudo gente de altíssima periculosidade. Vide Bárbara Zanetti Papov, a última que me pôs contra a parede cobrando um novo post. Barbarela, se você não pegar uma gripe por esses dias (e se agasalhe bem, porque o frio veio que veio), leia esse texto, óquei?

Deixemos a partida preliminar e adentremos à cancha com o time principal. Do goleiro ao centroavante, vamos ao que interessa.

A pelota dessa história rolou anteontem, quando entrei no ônibus para ir embora para casa. Há dias tentava encontrar um assunto para pôr o bom e velho Populares na ativa novamente. Sentei lá no fundão e comecei a matutar.

Pensei em fazer um texto sobre esse frio siberiano que desembarcou por essas plagas. Pensei em escrever sobre a minha grande capacidade de esquecer e perder objetos – disso ainda vai sair coisa boa! Ia tentando achar um bom gancho para cada ideia, quando me caiu no colo esse relato que conto agora.

Já havia desistido de achar um tema e ia abrindo o jornal que surrupiei na redação pra ler no trajeto até em casa (pronto, revelado quem desaparece com alguns exemplares do arquivo de periódicos), quando se sentou bem à minha frente um casal de namorados. Brigados, ressalte-se.

Ambos jovens, 22, 23 anos no máximo. Ele estilo skatista: boné na cabeça, blusa com gorro, jaqueta jeans. Ela mais formal: casaco de veludo preto, lenço no pescoço e cabelos pretos – muitos bonitos, por sinal – amarrados para trás.

Percebi que ela estava com os olhos vermelhos e inchados. Provavelmente tinha chorado pouco antes de entrar no ônibus. Estavam os dois sem jeito, como se há dias não se vissem depois de uma briga. Me concentrei na leitura, mas como estava muito próximo, fiquei sem opção: não tive como não ouvir a conversa.

Trocaram umas palavras ainda mais sem jeito. Os dois de cabeça baixa, sem se olharem. Ele parecia pedir desculpas de algo. Ela ouvia, olhando sem ver o movimento pela janela.

Foi um período assim, até que ela não aguentou e começou a chorar. Disse que realmente estava magoada, mas que também sentia falta dele. Deu outra repreendida nele, que, olhando para ela, parecia assimilar muito bem o recado. Selaram as pazes com um beijo, seguido por alguns sorrisos.

Desci do ônibus um pouco depois. E quando liguei meu aparelho de som para ir ouvindo música nas duas quadras até minha casa, Aretha Franklin cantava:

“I run for the bus, dear
While riding I think of us, dear
I say a little prayer for You
At work I just take time
And all throug my coffee break-time
I say a little prayer for You” *

Era a crônica pronta. Ou vai me dizer que, como no trecho aí acima, a menina não deixou de pensar um minuto sequer no cara, sem conseguir se concentrar no trabalho, só esperando revê-lo. Como na música, a prece dela foi atendida.

* Da canção I say a little prayer, do álbum Aretha Now (1968), da cantora Aretha Franklin.

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