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A vida do menino Reginaldo Manzotti corria normal até que num belo dia de outubro de 1980, ao chegar da escola, na pequena Paraíso do Norte, interior do Paraná, avistou um homem alto, de roupa preta, sentado sobre uma moto em frente à sua casa. “Você é o Reginaldo?”, perguntou o estranho, com forte sotaque alemão, deixando o garoto de 11 anos um tanto assustado. Diante da confirmação, o homem se apresentou. Era o frei carmelita Dom Jerônimo Kal Brodeca. Reginaldo havia respondido um anúncio que vira na revista Imaculada Conceição que perguntava: “Você quer ser padre?”
Como era perto do meio-dia, o frei perguntou se poderia almoçar com a família. Ressabiado, o menino entrou em casa e foi direto à cozinha: “Mãe, tem um padre aí querendo almoçar. Ele veio me buscar para o seminário”. Depois de absorver a surpresa, dona Percília Maria Sversuti Manzotti, como boa cristã e membro do Apostolado da Oração, acolheu a visita. “Depois veio a choradeira”, recorda hoje um dos padres mais famosos do Brasil, senão do mundo, em sua sala na sede da Associação Evangelizar É Preciso, anexa ao Santuário de Nossa Senhora de Guadalupe, no Centro de Curitiba. Além de pároco, ele é reitor do santuário e presidente da obra que leva o mesmo nome da associação. A entidade, fundada por Manzotti em 2005 com o objetivo de transmitir a palavra de Deus pelos meios de comunicação, é mantida com doações de associados de todo o país e conta com as bênçãos da Arquidiocese de Curitiba. Sob sua liderança atuam cerca de 400 funcionários.
O espaço é todo decorado com diplomas de cidadania honorária e outras homenagens do gênero de todo o país e com muitas fotos dele ao lado de celebridades do meio artístico, apresentadores de tevê e até do Papa Francisco, no Vaticano, além de diversas molduras com as capas de seus discos e livros, todos campões de vendas. Vendo a multidão que ele arrasta em seus shows e missas, sem contar os milhões de seguidores nas redes sociais, não seria exagero compará-lo a Cauby Peixoto, que no auge da fama era perseguido e atacado pelas fãs ensandecidas.
Caçula dos seis filhos do casal Percília e Antônio Manzotti, Reginaldo entrou para o seminário carmelita Imaculada Conceição, no distrito de Graciosa, em Paranavaí, em fevereiro de 1981, com apenas 12 anos. Católicos atuantes, os pais não se opuseram à opção do filho. Após concluir o primeiro grau, ele se transferiu para o seminário São João da Cruz, em Paranavaí, para cursar o segundo grau no Colégio Paroquial e se preparar para o vestibular. Três anos depois veio para Curitiba para estudar no Instituto Vicentino de Filosofia na Vila Fanny. Até aí, se quisesse, ainda poderia abrir mão da vida de seminarista.
Então veio o que ele chama de prova de fogo, o Noviciado, realizado em 1988 na distante Cambuci de São Félix, em Pernambuco. Reginaldo seguiu firme no propósito de se tornar padre. Embora sempre soubesse que queria servir a Deus como sacerdote, teve lá seus momentos de dúvida. “Tive crises, mas isso é próprio de quem está em discernimento. Sempre fui uma pessoa muito inquieta”, diz com a voz pausada e firme. Elegante, ele se levanta e pede licença para tirar o blazer. Vê-se que é um padre que usa roupas modernas, porém discretas.
Após um ano no Nordeste, voltou a Curitiba para cursar quatro anos de Teologia no Instituto Studium Theologicum, ligado à Pontifícia Universidade Católica do Paraná, pelo qual foi ordenado padre carmelita em 1995 – 15 anos depois do encontro com o frei da motocicleta. Sonho realizado, ficou um ano na paróquia Nossa Senhora da Conceição, na Vila Fanny, até decidir voltar a Paranavaí. Num encontro com o então arcebispo de Curitiba, Dom Pedro Fedalto, confessou: “Deus quer mais de mim”. Ouviu então um convite para voltar à capital. Mas havia uma condição: deixar de ser carmelita para tornar-se padre diocesano secular. Convite aceito, passou cinco anos na Paróquia São José Operário, no populoso bairro Maria Antonieta, em Pinhais, na Região Metropolitana de Curitiba. “Foi meu primeiro amor e continua sendo”, diz Padre Reginaldo. Nessa época, a fama ainda passava longe dele, mas já o havia identificado como candidato ao estrelato religioso.
Em 2002, logo após assumir a paróquia periférica, já como padre diocesano, recebeu um convite da direção da TV Educativa do estado para transmitir a missa de domingo, incialmente por um mês. Mas a grande aceitação do público fez com que entrasse para a grade da emissora oficial. Com facilidade para a música – aprendera a tocar flauta com frei Jerônimo – e participações em festivais de música nos tempos de colégio, gravou o primeiro CD, “Deus é presença real”, para que os fiéis pudessem acompanhar as músicas durante suas missas. Foi quando descobriu que a música era um valioso instrumento de evangelização. O Reino de Deus na Terra começava a ganhar uma estrela. Percebendo o sucesso de suas músicas junto ao público, começou a compor ao mesmo tempo em que ganhou um programa na católica Rádio Clube Paranaense AM, das 13 às 14 horas. Chamada “Experiência de Deus”, a atração logo conquistou a audiência, apesar do horário nada convidativo. Ao passar para as manhãs, das 10 às 11 horas, tudo mudou. Rádios do interior começaram a pedir para retransmiti-lo. Padre Reginaldo começou a sair do círculo paroquial para ganhar o Brasil e o mundo com suas músicas evangelizadoras com pegada pop e arranjos modernos.
Atualmente, 1.680 emissoras retransmitem seu programa matinal em tempo real, o que faz dele um comunicador dos mais ouvidos no Brasil. No ar há 17 anos, o programa é transmitido de segunda a sábado dos estúdios da própria Associação Evangelizar É Preciso. Pela cobertura que alcança, é considerado o programa radiofônico de maior audiência do país. Ali, ele atua não só como padre, mas como psicólogo das almas aflitas de todos os recantos do Brasil. Distribui conselhos para mães e esposas às voltas com problemas familiares de todo tipo. “As pessoas partilham seus sofrimentos e dores e tento orientá-las para ter uma atitude mais assertiva na vida”, diz. Suas missas são assistidas em todo o Brasil e em países da América do Sul via parabólicas, além de algumas regiões do México e Estados Unidos. Já os programas de tevê são exibidos em rede nacional, em canal aberto e a cabo, em todos os municípios brasileiros por meio de 92 estações-irmãs.
Mesmo diante de todas as evidências, com 15 CDs, cinco DVDs e 22 livros, com mais de seis milhões de exemplares vendidos, ele rejeita o título de padre-celebridade. “Não sou artista. Sou um padre que evangeliza pela música”, teoriza, para completar: “O grande problema da fama é quando você se acha famoso”. Mas admite fazer parte do seletíssimo time de padres influencers. Para ele, as redes sociais são o areópago dos tempos atuais, comparando-as ao tribunal de justiça de Atenas que julgava casos religiosos com extremo rigor. Acha que a Igreja não pode ignorar a internet. “As virtudes cristãs não são muito vividas na internet”, diz. Sobre o contrato com a gravadora Som Livre, na qual permaneceu de 2008 a 2019, diz que o fez para chegar a lugares que não chegaria pregando a palavra de Deus somente do púlpito. Desde 2019, lança seus discos por outro selo poderoso, a Universal Music, mesma gravadora de Paul McCartney. Quanto ao gosto musical, é eclético. Vai dos clássicos à sofrência intercalados por rock e MPB.
Ser um padre midiático, que já esteve em todos os programas da tevê brasileira, é para ele algo natural. Aderiu à moda a partir de uma frase dita pelo Papa João Paulo II, hoje santo: “É necessário evangelizar com novo ardor e novos métodos”. E ele diz que sua inspiração para ocupar o altar e os palcos com a mesma desenvoltura veio do hoje octogenário padre Zezinho, pioneiro dos sacerdotes cantores. Garante nunca ter usado seu poder de comunicação para falar de política. “Somos políticos por natureza e formadores de opinião, mas não me envolvo com política. A Igreja é clara quanto a isso”, afirma.
A certa altura da entrevista, ele pede licença para interrompê-la porque precisa celebrar a missa do meio-dia, uma das muitas que reza durante a semana. Uma pequena multidão já o aguarda no santuário, que se confunde com um moderno estúdio de TV, com câmeras e técnicos já posicionados. Desço junto para testemunhar ao vivo sua performance.
Devidamente paramentado, com uma casula vermelha com bordados em dourado sobre as vestes brancas, ele circula pelo altar, gesticula e canta para os fiéis de todas as idades – de bebês a idosos. Uma banda o acompanha na missa-show. As três câmeras e uma grua posicionadas diante do público registram suas evoluções pelo altar, além de mostrar a igreja lotada para quem está em casa. Aos 52 anos, o homem alto e de aparência bem cuidada, praticante de Pilates, fã de Clarisse Lispector e das obras do Papa emérito Bento XVI, segue levando a palavra de Deus às milhões de ovelhas de seu rebanho. Não foi o que passou por sua cabeça 40 anos atrás quando, mochila às costas, avistou aquele homem de preto sobre a motocicleta na porta de sua casa.