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Corações blindados

Todos sonhamos com a felicidade. E quando ela bate a nossa porta, nem acreditamos. Experimentamos a euforia e o medo. Medo de não dar certo e sofrer. Há quem diga que nunca sofremos tanto por amor. A grande roda do amor gira e, muitas vezes, sem nós.

A liberdade de amar, que vivemos nos dias atuais, faz a nossa felicidade, mas tem também o seu reverso: a liberdade daqueles que amamos em não nos amar mais.
Não existem garantias para o coração. Nem seguro-amor. Estamos em uma nova era, com mais liberdade, mas sem uma moral definida, que também pode trazer insegurança, novos medos e novos instintos de proteção.

Muita gente gostaria de poder voltar aos modelos anteriores: crer em Príncipe Encantado, um casamento eterno sem conflitos, uma paixão à primeira vista que caiu do céu.

Concordo com a socióloga Patrícia Delahaie: “Quando o coração arde, lançamo-nos ao amor intensa e rapidamente demais. Quando o coração está blindado, faremos de tudo para não nos arriscar. Para nós, o amor é perigoso demais, as rupturas numerosas demais, as angústias intensas demais, as mulheres “complicadas” demais, e os homens “egoístas” demais. Assim, permanecemos protegidos dos encontros. Preferimos sonhar com o amor e a felicidade a vivê-los. Preferimos imaginar um amor ideal ou relembrar um amor perdido. Muitas pessoas encontram o Grande Amor sem poder vivê-lo. Elas se sentem disponíveis, mas não estão. Estão marcadas demais pelas tristezas do amor ou pelas dores de infância. Elas também podem privilegiar outro aspecto da vida, como a carreira. Ou ainda sonhar com uma relação idealizada e se fechar para o amor. Não sofrer é nosso direito, mas também nossa tristeza”.

No meu dia a dia percebo o quanto as pessoas se tornam reféns do medo de amar. Faço referência ao medo que impede a criação de vínculos reais entre duas pessoas. Do medo de compartilhar a vida e a intimidade com alguém especial. De um sentimento paralisante quando alimentado pelas decepções do passado. Para muita gente falta coragem para transformar as dores do passado em lições, em aprendizado, para que as experiências atuais ou próximas possam ser gratificantes. Coragem não é a ausência do medo, é sim a capacidade de avançar, apesar do medo. Caminhar para frente. Enfrentar as adversidades, vencendo os medos.

Raul, 41 anos, solteiro, costuma se referir a sua vida amorosa da seguinte forma: “Ninguém perde o que não tem. Como não suporto perder, jamais viverei um grande amor. Assim não correrei o risco de perdê-lo.”

Ele é um arquiteto bem sucedido, bonito, envolvente e por onde passa atrai admiradoras. Nunca é visto sozinho. Suas paqueras são tantas que chegam a gerar ciúmes nos amigos. Mas, já no início deixa bem claro que não passa de paquera. Não se apaixone, não estou disponível. E outras desculpas mais.

Aos 28 anos a noiva de Raul o deixou plantado no altar. Nunca mais entregou seu coração. Não se permite confiar. Diz que até tentou engatilhar algo mais sério, mas já em seguida caiu fora e ainda foi acusado de não querer compromisso, sem-vergonha, Dom Juan.

Ele reconhece que, muitas vezes, sem perceber, fugiu destruindo conquistas preciosas. Garante que quando conheceu Ilana, chegou a pensar: “Agora, vai!” – não foi. Já no segundo encontro a psicóloga disse a ele: “Raul, você tem um coração blindado, to fora! Procure ajuda, se desejar, posso recomendar um colega”.

A felicidade dá medo, sim! É preciso encontrar forças para atenuá-lo. Para vivenciar o amor é preciso tentar, arriscar-se, inclusive ao fracasso. A pré-condição para isso é manter o equilíbrio interior e uma autoestima saudável. A vida é um risco. Com medo de perder, não se ganha.

Para uma vida feliz a dois é importante encontrar um parceiro que esteja na mesma sintonia, não exigir o que ele não tem à oferecer. Paixões avassaladoras podem criar mais chances de rupturas, sofrimentos e períodos de solidão. O amor acontece ao seu tempo. Sem pressa. Devemos aplicar ao amor o princípio de precaução que nos deixa disponíveis, mas não cegos e precipitados.

Caro leitor: Por que tantos desencontros se a roda do amor não se cansa de girar?

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