Provavelmente este tema já está deixando as pessoas um pouco enjoadas, então, para finalizar este debate aqui no blog, irei analisar a constitucionalidade do referendo na Crimeia, mesmo porque com tudo isso temos deixado de lado a crise na Venezuela, as compras internacionais como mecanismo de corrupção e lavagem de dinheiro…
Para verificar a legalidade da situação que se apresenta na Crimeia, a divisão étnica e o fato de a Crimeia ser um joguete histórico nas mãos de governantes que presenteiam regiões como se fosse vodca de qualidade duvidosa devem ser entendidas como questões acessórias à legalidade constitucional ucraniana.
Constitucionalmente pouco importa o resultado do referendo, pois antes é preciso verificar como fica a consulta popular frente ao arcabouço constitucional da Ucrânia, da República Autônoma da Crimeia e frente ao Direito Internacional.
Apesar dos pesares, embora passando por uma grave crise política, a Ucrânia não deixou de ser um Estado Constitucional legítimo. Em 6 de março o Conselho da República Autônoma da Crimeia (Rada Suprema) adotou uma resolução chamada “O Referendo de Todos os cidadãos da Crimeia”. Essa resolução teve como base os artigos 18 e 26 da Constituição da Crimeia, os quais definem, entre outros poderes, o da República Autônoma convocar e realizar referendos sobre temas de seu interesse, atribuindo, para a realização de qualquer referendo, a necessidade de uma resolução da Suprema Rada (Parlamento) da Crimeia.
Entretanto, independentemente da aparente legalidade, não se pode relegar à marginalidade o fato de que a Crimeia, por mais que seja uma república autônoma, faz parte da Ucrânia, submetida à Constituição ucraniana, assim, para que qualquer referendo com impacto nacional seja considerado constitucional, é necessário que os temas envolvidos na votação sejam recepcionados pela Constituição da Ucrânia, a qual tem supremacia em relação à Constituição da Crimeia, tal qual definido no artigo 2.2 da Constituição ucraniana.
Ainda de acordo com o artigo 132 da Constituição da Ucrânia, a estrutura territorial do país está baseada nos princípios da unidade e da indivisibilidade territorial, sendo ainda mais específica em Relação à Crimeia em seu artigo 134, onde define que a República Autônoma da Crimeia é parte inseparável da Ucrânia e somente possui autonomia de acordo com os limites estabelecidos pela Constituição ucraniana. Ainda no artigo 135, a Constituição ucraniana prevê que a Suprema Rada e o Conselho de Ministros da Crimeia não podem contrariar a Constituição e as leis infraconstitucionais da Ucrânia, relegando, ainda mais, a Constituição da Crimeia a uma posição de complementariedade, minando de vez a tão falada autonomia republicana, transformando-a em uma grande falácia, em titulo simbólico.
A própria Constituição da Crimeia reforça sua posição inferior quando em seu artigo 28 define que quaisquer questões relativas aos poderes a serem exercidos pela república autônoma devem estar de acordo com a Constituição da Ucrânia, tornando qualquer ato que viole a Constituição ucraniana em um ato automaticamente inconstitucional frente às leis da própria Crimeia.
Dessa forma, resta absolutamente claro que o referendo na Crimeia foi realizado em violação às leis ucranianas e também da Crimeia, destituindo o referendo de qualquer legalidade, mesmo que aparente.
Por sua vez e observando de longe o debate constitucional está o Direito Internacional. Importante salientar que, dentre outros princípios, o Direito Internacional busca o respeito à autonomia constitucional dos Estados e o respeito à soberania tradicional. Nesse sentido, embora a ONU não tenha ainda se pronunciado oficialmente através de uma resolução ou de um parecer opinativo, como aconteceu no caso de Kosovo, insta salientar a especificidade do caso da Crimeia, principalmente quando comparado com outras situações, como Kosovo, Tibete e Irlanda do Norte.
Aparentemente, não se pode tratar a questão da Crimeia como um caso de autodeterminação dos povos, o que poderia, frente ao Direito Internacional, pender o fiel da balança para a legalidade do referendo independentemente de determinações constitucionais, vez que no Direito Internacional há muito cuidado quando se trata de interferir no direito de povos se autodeterminarem, sendo um tema sensível à Europa e, especialmente, à Rússia.
Mas, a partir da perspectiva política e de balança de poder, é certo que manter sob o mesmo manto governamental grupos díspares será sempre uma bomba prestes a estourar. A região da Crimeia representa hoje uma granada sem pino que repousa sob o frágil título de “república autônoma”, uma falácia que está exibindo suas contradições em uma luta por poder que marginalizou a legalidade, pois ao mesmo tempo em que dá autonomia à Crimeia, o titulo de “república autônoma” limita o seu poder político, mantendo-a legitimamente sob o mando de Kiev. Dessa forma, essa autonomia ilusória foi utilizada como argumento para que o parlamento da região viesse a decidir unilateralmente por um referendo destituído de legalidade, mas cheio de conteúdo político.
A tendência da Crimeia em se anexar à Federação Russa até pode ser natural e talvez politicamente o caminho mais sensato a se seguir, porém, carece de legalidade.
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