Esta semana recebi algumas perguntas sobre a proximidade com a realidade do seriado House Of Cards. Assisti às duas temporadas da série e confesso ter gostado bastante, entretanto é preciso ter em mente que House of Cards é entretenimento e não um descrição fiel da realidade, embora nos leve a refletir sobre ela…
Ah, quero deixar claro que tentei evitar qualquer tipo de spoiler para aqueles que não terminaram de assistir as temporadas disponíveis.
Seguem as perguntas e resposta.
1. O que “House of Cards” diz sobre a política americana? E sobre a política em geral? Que tipo de cuidado o espectador deve ter ao assistir o seriado? O retrato que ele faz dos bastidores políticos é próximo da realidade, ou completamente fantasioso?
Eu sou realmente um fã do seriado House of Cards, mas como em todo programa de televisão, que ao contrário do que os pseudointelectuais dizem, não entendo ser emburrecedor, muito pelo contrario, sinto ser um entretenimento sensacional se soubermos dicernir a realidade da ficção.
Atualmente, uma das questões que mais intrigam as pessoas com quem ouso debater o seriado é: Quão próximo da realidade é o seriado?
Logicamente a imagem retratada em House of Cards é absolutamente teatral e exagerada, entretanto, dentre os exageros morais do seriado, há algo que traz alguma semelhança com o que ocorre nos corredores da Casa Branca, pois trata-se de política, e política não tem compromisso com a verdade, mas sim com a persuasão, como diria a filósofa Hannah Arendt.
A questão moral em House of Cards é claramente teatralizada, superlativa, vez que há uma óbvia necessidade de dramatizar algo na busca por atenção do público, sendo que talvez os freios impostos aos congressistas são maiores e mais evidentes do que mostrado em House of Cards, vez que os mecanismos de fiscalização e investigação atualmente são mais eficientes, não permitindo que condutas excessivamente imorais sejam adotadas sem qualquer preocupação quanto às consequências.
A busca incessante pelo poder é uma realidade na política, sendo que as alianças, conchavos e conspirações veladas mostradas no seriado representam o mais puro retrato da realidade política nos Estados Unidos e em qualquer país, ainda mais aqueles com um espírito republicano exacerbado, onde a imagem é muitas vezes mais importante do que a crua realidade. A tudo isso deve ser somado como muito bem retratado pelo seriado a ferocidade de atuação de grupos de lobistas legitimados pela lei e que caminham muito próximos ao poder.
Entretanto, os exageros em House of Cards são evidentes, embora muuitos aspectos do dia-a-dia da Casa Branca e do Congresso estejam sendo fielmente retratados.
Na verdade o seriado, na minha perspectiva pessoal, é um grande entretenimento, mas para por aí. No máximo ele descreve alguns procedimentos básicos do dia-a-dia do Congresso e da Casa Branca, mas nada alem disso. Desse forma, o alerta que faço é: assista House of Cards como um maravilhoso entretenimento, mas nunca como um manual fiel à realidade dos bastidores da política nos Estados Unidos. Entretanto, o seriado levante questões importantes quanto à moralidade política em detrimento da busca pela verdade.
Por óbvio os escritores do seriado possuem uma boa noção da política levada a cabo em Washington D.C., tal qual mantém uma certa fidelidade quanto à Constituição dos Estados Unidos e a algumas formalidades centenárias e com a descrição de certas pessoas que relativizam o que a grande maioria entende como condutas moralmente aceitas em nome de interesses políticos, mas param por aí as coincidências com a realidade.
Vamos ser sinceros, Frank Underwood é um estrategista de primeira, mas 90% de suas tramas partem do pressuposto que o resto do capitólio não possui assessores e estrategistas que antevêem condutas individualistas, sendo que para o seriado, exceto Frank e sua esposa Claire, Washington D.C. é povoada por mentes simplórias e por um sistema que não consegue detectar a mentira, a dissimulação e ações eminentemente criminosas. Para chegar ao capitólio os seus personagens já passaram por todos os tipos de conchavos políticos, mas sempre preocupados com as consequências futuras de seus atos em um meio com memória de elefante, o que absolutamente parece preocupar Frank Underwood e sua esposa Claire, o que dá a trama mais dramatização, mas sem respaldo com a realidade política, pois em política há ação, reação e consequência, e em House of Cards há ação, pouca reação e quase nenhuma consequência. Lembrando que as reações e as consequências nem sempre são individuais, mas do próprio sistema que foi obrigado a criar mecanismos que protejam a legitimidade das instituições, tentando barrar ao máximo condutas contrarias ao benefício coletivo e ao poder de fiscalização do Estado.
Ainda, é importante salientar que no mundo da política nem sempre as coisas acontecem com a velocidade que Frank Underwood faz acontecer, vez que decisões políticas nos Estados Unidos, como a escolha do líder do governo no Congresso, do Vice-presidente e de apoio Democrata a uma candidatura ao governo de qualquer estado, não ocorrem milagrsamente do dia para noite a partir da genialidade de articulação política e artimanhas desonestas de um único ator, mas a trama de House of Cards requer uma dinâmica inexistente, vez que é isso que agrada e mantém o público, como eu, tensos, a eterna possibilidade de reviravolta em pouco tempo!
Ainda, Frank Underwood mostra ter uma eloquência capaz de convencer qualquer um a mudar de lado em 15 minutos de um discurso muito bem estruturado. Bem, convenhamos, em política, decisões como essa dependem muito mais de barganha, acordos e promessas, do que discursos bonitos, mas tudo bem, é isso que faz com que a trama se desenvolva, mas também a afasta da realidade.
Nesse caso há a necessidade de separar dois aspectos do seriado americano, primeiro sobre o que acontece nos corredores da Casa Branca e do Congresso Nacional, e quanto ao tema da moralidade, principalmente no que diz respeito ao capitólio e à Casa Branca.
Nesse sentido um dos pontos menos fiéis à realidade são os riscos corridos pessoalmente pelo congressista e posteriormente vice-presidente dos Estados Unidos Frank Underwood, o qual adota uma posição despreocupada ao cometer crimes que arrepiam até mesmo aos mais experientes estelionatários. Ainda, o retrato apresentado quanto ao fluxo de dinheiro proveniente de instituições internacionais e conspirações internas na busca pelo financiamento de campanhas eleitorais são certamente imprecisas, vez que a fiscalização frente a este instrumental tem se mostrado muito eficaz ao longo dos anos, dificultando que financiamento de campanha não contabilizado ou de origem duvidosa possa ser empregado diretamente nas eleições, ainda mais eleições presidenciais tal qual retratado durante a segunda temporada com a participação de Frank Underwwod, lideres democratas e o bilionário Raymond Tusk.
Portanto, aquele que assiste House of Cards deve sempre encará-lo como um grande entretenimento que desvela um pouco do egoísmo óvio da natureza humana e da diferença entre política e verdade, mas devemos parar por aí. Limitar a política nos Estados Unidos ao ali retratado é um risco e até mesmo uma injustiça com instituições secularmente construídas, com falhas, mas não tão gritantes!!
2. A série tem grande audiência na China, especialmente entre políticos. O que pode ter atraído a atenção deles?
A audiência na China é bastante óbvia considerando, além da propaganda governamental chinesa, a curiosidade com referência à potência que rivaliza com a China e que em teoria seria a antítese política chinesa. A sedução do outro, do diferente…
3. Por que a série tem tantos fãs no meio político, como o presidente dos EUA?
Pois ela retrata tudo aquilo que pensamos de nossos inimigos políticos? Talvez. Mas não podemos esquecer que House of Cards é uma trama dinâmica, com um ator de primeiro escalão e muito bem filmado! Quem não gosta disso? Bem, muita gente, mas isso não afasta um grande número de aficcionados.
4. Você acha que a visão sombria e cínica que “House of Cards” tem da política pode ter alguma influência real na forma como seus espectadores olham para a política?
Este é o grande problema daqueles que não têm a ficção com entretenimento mas sim como a fiel descrição da realidade, este retrato sombrio e amoral da política pode sim influenciar algumas pessoas, assim como o filme Tubarão de Steven Spielberg deixou alguns paranaenses com medo de entrar na praia mansa de Caiobá por um tempo! Exageros de lado, House of Cards é um retrato sombrio sobre a natureza humana, o qual deve ser objeto de reflexão, mas que infelizmente poderá sim influenciar como algumas pessoas enxergam a política como conceito.
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