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Renan Barbosa

Renan Barbosa

Embaixada em Washington

Eduardo Bolsonaro fará as malas? Nem o STF sabe (ainda) os limites do nepotismo

Eduardo Bolsonaro, cotado para ser embaixador em Washington. Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agencia Brasil
Possível indicação do filho do presidente para embaixada em Washington reabre discussão no Supremo Tribunal Federal (STF) (Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agencia Brasil)

O ensaio de indicação do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente Jair Bolsonaro (PSL), para o cargo de embaixador em Washington trouxe à tona uma discussão que se arrasta há quase 11 anos no Supremo Tribunal Federal (STF), ainda sem solução: se a proibição do nepotismo abrange cargos políticos. Do ponto de vista jurídico, a questão pode ser resumida em dois pontos: 1) Quais os limites da aplicação da regra que proíbe o nepotismo? 2) Qual a natureza do cargo de embaixador: parte da administração pública ou braço do poder político? Fiquemos, por enquanto, com a primeira pergunta, porque a segunda é mais complicada do que parece.

Olhando em perspectiva, o Brasil avançou no sentido de profissionalizar sua burocracia estatal. Em 1998, o Congresso aprovou a Emenda Constitucional 19, que fechou parte do cerco contra as indicações políticas. O inciso V ao artigo 37, que dizia que “os cargos em comissão e as funções de confiança serão exercidos, preferencialmente, por servidores ocupantes de cargo de carreira técnica ou profissional, nos casos e condições previstos em lei [destaque nosso]” passou a dizer que para “as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento [destaques nossos]”.

Em 2005, foi a vez do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editar uma resolução proibindo o nepotismo no Poder Judiciário. No ano seguinte, o Supremo Tribunal Federal (STF), confirmou a constitucionalidade da resolução em decisão cautelar da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 12, relatada pelo ministro aposentado Ayres Britto. O tribunal entendeu que a vedação ao nepotismo era uma decorrência dos princípios da administração pública previstos na Constituição. E diversos ministros, em seus votos, deixaram claro essa proibição valia também para os Poderes Executivo e Legislativo, sem a necessidade da edição de uma lei sobre o tema.

Já no julgamento da cautelar, em 2006, o plenário do STF entendeu que “a interpretação dos [incisos II e V do art. 37] não pode se desapegar dos princípios que se veiculam pelo caput do mesmo art. 37”, que prevê a observância, pela administração pública, dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, que vinculam todos os poderes. Em outras palavras, a vedação ao nepotismo abrangeria também os cargos em comissão e as funções de confiança não só no Judiciário, mas no Executivo e no Legislativo, o que foi confirmado na decisão de mérito, em 2008.

Como continuaram a pipocar decisões, entre 2006 e 2008, entendendo que não havia lei proibindo o nepotismo nesse tipo de cargo, em 29 de agosto de 2008 o Supremo editou a Súmula Vinculante (SV) 13 para pacificar a interpretação do Judiciário brasileiro, de modo a proibir o nepotismo em toda a administração pública:

A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau [filhos, pais, netos, avôs, bisnetos, bisavôs, irmãos, tios, sobrinhos, afilhados, cunhados, genros, noras e sogros], inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas.

No entanto, no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 579.951, que envolvia a discussão de nepotismo no caso da nomeação de um motorista e de um secretário de saúde municipal em uma cidade no interior do Rio Grande do Norte, e que deu ensejo à edição da SV 13, o tribunal já tropeçou, pela primeira vez, em uma questão tormentosa: a proibição do nepotismo abrange cargos eminentemente políticos? Em qual extensão?

Nepotismo e cargos políticos

O ministro relator, Ricardo Lewandowski, inicialmente votou por anular a indicação aos dois cargos, mas então uma discussão se abriu no tribunal. Marco Aurélio: “No caso, Vossa Excelência glosa, também, a escolha, a nomeação de certa pessoa como secretário de saúde?”. Lewandowski: “Também”. Ayres Britto: “Aqui, faço uma distinção também, porque é membro de Poder”. Cármen Lúcia: “É membro de Poder”. Marco Aurélio: “Não chego a esse ponto, considerado o nepotismo”.

Mais à frente, Marco Aurélio volta a dizer: “Não estendo a cabeça do artigo 37 [legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência], de início, ao agente político e, no caso, o secretário municipal o é”. Em seguida, o ministro Ayres Brito emenda, ao explicar que o governo é maior que a administração pública, porque abrange também um braço político:

“Então, quando o artigo 37 refere-se a cargo em comissão e função de confiança, está tratando de cargos e funções singelamente administrativos, não de cargos políticos. Portanto, os cargos políticos estariam fora do alcance da decisão que tomamos na ADC nº 12, porque o próprio Capítulo VII [da Constituição] é 'Da Administração Pública' enquanto segmento do Poder Executivo. E sabemos que os cargos políticos, como, por exemplo, os de Secretário Municipal, são de agentes do Poder, fazem parte do Poder Executivo. O cargo não é em comissão, no sentido do artigo 37”, afirmou.

Mais adiante, porém, surge outro tempero. O ministro Lewandowski diz que concorda com a tese de Ayres Britto, mas pondera: “O prefeito coloca sua esposa como Secretária Municipal, coloca o filho em outra secretaria; coloca o sobrinho em outra. Como ficaríamos?”. Ayres Britto: “está formando os seus quadros de governo. Ou seja, o inciso V do artigo 37 não se aplicaria”. A ministra Cármen Lúcia endossa a preocupação de Lewandowski: “Ministro Carlos Britto, essa liberdade não me parece absoluta. Ministro Ricardo Lewandowski, porque teria de haver limites, não é isso? Não existe liberdade absoluta em espaço algum, senão o governante poderia escolher apenas os seus familiares para todos os cargos”.

A discussão, porém, terminou sem conclusão, não sem antes o ministro Gilmar Mendes, então presidente do STF, apontar: “Também eu já tinha intuído a necessidade de uma ressalva em relação às funções de natureza eminentemente política. É tradição mundial – a situação de John e Bob Kennedy – e, no próprio plano nacional, muitas vezes parentes ou irmãos fazem carreiras paralelas e estabelecem um plano eventual de cooperação – temos governadores e secretários de Estado –, sem que haja qualquer conotação de nepotismo. Parece-me que devemos, então, ter cuidado quanto à fixação”.

É claro que a discussão não morreu: segundo um levantamento do Ministério Público do estado do Rio de Janeiro, desde a edição a SV 13, há cerca de 30 acórdãos e aproximadamente 200 decisões monocráticas sobre o tema no Supremo. E, nesses quase 11 anos, o STF veio assentando critérios genéricos para tentar equacionar o problema e as discussões.

Depois da edição da SV 13, o ministro Marco Aurélio assumiu a posição de que, como não é possível interpretar verbete sumular, ela abrangeria também os cargos políticos. O ministro aposentado Joaquim Barbosa, em um caso de 2011, reconheceu que o texto da súmula não faz distinção, mas seguiu a posição de colegas de julgar caso a caso: “bem vistas as coisas, o fato é que a redação do verbete não prevê a exceção mencionada e esta, se vier a ser reconhecida, dependerá da avaliação colegiada da situação concreta descrita nos autos”, escreveu em decisão cautelar.

A tal jurisprudência do “caso a caso” acabou gerando três critérios, ao gosto do ministro da vez, para avaliar se há irregularidade na nomeação de cargos políticos – a princípio, ministros de Estado, secretários estaduais e secretários municipais: (i) clara ausência de qualificação técnica do nomeado; (ii)  falta de idoneidade moral do nomeado; e (iii) evidência de fraude à lei ou “troca de favores” (nepotismo cruzado) na nomeação.

Nepotismo: solução à vista?

Em junho do ano passado, finalmente, o STF aceitou julgar um RE, o de número 1.133.118, com repercussão geral, para tentar resolver a discussão. “A questão trazida à apreciação desta Suprema Corte se cinge a saber se é inconstitucional a nomeação, para o exercício de cargo político, de familiares da autoridade nomeante”, escreveu o relator, ministro Luiz Fux.

“O teor do verbete não contém exceção quanto ao cargo político. A discussão orbita em torno do enquadramento dos agentes políticos como ocupantes de cargos públicos, em especial cargo em comissão ou de confiança, mas, ao não diferenciar cargos políticos de cargos estritamente administrativos, a literalidade da súmula vinculante sugere que resta proibido o nepotismo em todas as situações”, pontuou ainda o ministro.

O caso ainda espera manifestação da Procuradoria-Geral da República (PGR). Até o ano passado, a partir de julgamentos de turmas ou de decisões monocráticas, pelo menos 7 dos 11 ministros do STF já tinham manifestado posicionamento de excluir a incidência da SV 13 dos casos de nomeação política, com a ressalva dos três critérios acima – a tendência é que essa seja a posição da maioria do plenário.

Ainda assim, o caso de Eduardo Bolsonaro, se realmente indicado pelo pai, confirmado pelo Senado e questionado no STF, dependeria também da solução de outra questão nada simples: embaixadores são cargos políticos ou administrativos? Voltamos a ela em outra oportunidade.

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