O Conselho Superior do Ministério Público Federal (CSMPF) interrompeu a discussão sobre a indicação do procurador do Ministério Público Federal (MPF) Ailton Benedito, da ala conservadora, para a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP) do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos (MMFDH). O nome de Benedito já tinha maioria de cinco dos oito votos dos presentes à sessão, mas o subprocurador-geral Nicolao Dino, irmão de Flávio Dino (PCdoB), governador do Maranhão, pediu vista do caso.
Já votaram a favor do nome de Benedito a Procuradora-Geral da República (PGR), Raquel Dodge, e os conselheiros Maria Caetana Cintra Santos, relatora do procedimento, Célia Regina Delgado, Alcides Martins e Brasilino Pereira dos Santos. O CSMPF, que tem um total de 11 votos, só se reúne novamente em julho.
A CEMDP foi criada pela Lei 9.140/1995, que reconheceu como mortas as pessoas desaparecidas entre 1961 e 1979 (Anistia). A mesma norma prevê a indicação de membros, entre eles do MPF, “de livre escolha e designação do Presidente da República”, mas o caso esteve em pauta no CSMPF, porque diz a Lei Complementar (LC) 75/1993, que organiza o Ministério Público da União (MPU), do qual faz parte o MPF, que “são atribuições do Procurador-Geral da República, como Chefe do Ministério Público Federal: (...) XV - designar membro do Ministério Público Federal para: a) funcionar nos órgãos em que a participação da Instituição seja legalmente prevista, ouvido o Conselho Superior”.
A indicação não costuma ser polêmica, mas a subprocuradora-geral da República Deborah Duprat, que chefia a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) e é uma das líderes do “bloco progressista” do MPF, resolveu fazer uma manifestação ao CSMPF contra o nome de Ailton Benedito, expoente da ala conservadora do MPF, bastante ativo nas redes sociais. Deborah questionou posicionamentos de Benedito e a forma como o convite foi feito diretamente a ele, assinado pelo secretário de Proteção Global do MMFDH, Sérgio Queiróz.
“Não vejo cabimento em que a PFDC se arvore em censora da minha rede social”, disse Benedito nesta terça-feira (4), em sustentação oral no CSMPF. O procurador, que é crítico da atual condução da PFDC, disse ainda que vai atuar “com essa independência funcional com que tenho agido nesses 12 anos de MPF e com que pretendo continuar agindo na Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos”.
A procuradora Ana Carolina Roman também se manifestou, em nome da Associação Nacional de Procuradores da República (ANPR). Benedito solicitou a manifestação da associação no mês passado. “Cabe a PGR avaliar de forma discricionária, levando em conta as atribuições do cargo e o currículo que o colega explicitou, se é o caso de haver a substituição do atual colega na comissão [Ivan Marques]”, disse. “Quanto ao mérito, não cabe à ANPR fazer nenhuma manifestação quanto a quem deve ser escolhido ou não”, afirmou ainda.
A conselheira relatora, subprocuradora-geral Maria Caetana Cintra Santos, votou favoravelmente ao nome de Ailton Benedito. O subprocurador Nicolau Dino, seguido pela subprocuradora Ela Wiecko, ambos da ala progressista, colocaram a questão em dúvida. Dino pediu vista, mas Raquel permitiu que o conselho continuasse a discussão.
“Não há precedência em mais de 20 anos de instituição”, disse Maria Caetana sobre o questionamento.
A conselheira Célia Regina Delgado defendeu que a atribuição do CSMPF e da PGR é apenas autorizar o exercício do membro do MPF nas funções da comissão, já que a competência da indicação é do presidente da República.
“Não é uma atribuição nossa avaliar os posicionamentos ideológicos e achar que se minha ideologia não está alinhada, então estou impedido de exercer a função”, afirmou Célia Regina. “Não vejo nenhuma restrição, porque a lei é clara”, disse o subprocurador Alcides Martins, para quem a manifestação do CSMPF também é meramente opinativa.
Para Wiecko e Dino, porém, o fato de o convite estar assinado pelo secretário de Proteção Global do MMFDH, e não pelo presidente, seria irregular. “A lei precisa ser interpretada de uma forma que não vá contra a Lei Complementar. Minha preliminar é pelo não conhecimento do convite como ele foi feito”, opinou Wiecko. “Esse procedimento, tal como está tramitando, viola essa prerrogativa [da PGR]”, disse ainda.
Já o conselheiro Brasilino Pereira dos Santos afirmou não ter visto nenhum motivo jurídico para a Deborah e Benedito estarem se “digladiando”, mas só motivos ideológicos. “Nunca foi colocado, aqui, digamos um edital para quem quisesse participar. Veio um convite de lá [do governo] e o conselho atendeu. Não vejo motivo para recusar esse convite e, aliás, seria uma descortesia para um governo que foi eleito e está no cargo”, disse Brasilino.
Na manifestação que enviou ao CSMPF em abril, Deborah Duprat elencou as razões pelas quais o procurador não poderia ter assento na CEMDP:
1) Benedito não participa do grupo “Direito à Memória e à Verdade”, criado pela PFDC, e do “Grupo de Trabalho Justiça de Transição”, criado pela 2ª Câmara do MPF;
2) Seria “bastante comum” o fato de que Benedito procederia contrariamente às posições da PFDC sobre o tema;
3) Benedito se manifesta, pelo Twitter, contra posicionamentos da PFDC.
“A manifestação da PFDC é pela incompatibilidade do Procurador da República Ailton Benedito de Souza para integrar uma comissão cujo propósito principal é, a partir do reconhecimento da culpa do Estado brasileiro por atos cometidos por seus agentes no período de 2 de setembro de 1961 a 5 de outubro de 1988, acolher os familiares dos desaparecidos políticos e empreender esforços que lhes permitam chegar aos seus corpos ou, ao menos, à verdade dos fatos”, escreveu Duprat em manifestação do dia 26 de abril, endereçada ao CSMPF.
Benedito respondeu no último dia 04 de maio. “Destarte, no âmbito do MPF, não se pode pretender punir, ainda que dissimuladamente, membros que veiculam pontos de vista dissonantes no espaço público, a pretexto de se praticar uma ‘censura do bem’ contra o ‘herético’; fenômeno que esconde o medo de que o outro possa provocar ‘dissonância cognitiva’ nos imunizados”, escreveu o procurador. “Em nenhuma disposição relativa à matéria se enuncia que a PFDC deve opinar sobre a indicação de membro do MPF para integrar a CEMDP. Talvez, no afã de opinar, expedir notas técnicas, recomendações etc., sobre tudo, independentemente de suas atribuições, a PFDC acabe se esquecendo de que o ordenamento jurídico serve para regular inclusive a sua atuação”, afirmou ainda.
O caso chegou a ser pautado para a sessão de maio do CSMPF, mas acabou ficando para junho. Agora, salvo reunião extraordinária, deve ficar para julho, quando Nicolao Dino deve trazer seu voto para o plenário do CSMPF.
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