No texto anterior, fiz ponderações sobre o que significa o material revelado até agora pelo site The Intercept Brasil. Não pule direto às conclusões: o fato de as mensagens serem verdadeiras não resolve a maior parte das disputas que importam sobre elas.
Mas o caso específico da procuradora Monique Cheker é ilustrativo do grau de confiabilidade do material e, de outro lado, da histeria de alguns setores que investem na estratégia do avestruz (os inocentes) e da cortina de fumaça (os cínicos). Não ignoro o moralismo de ocasião da esquerda: leia o que já escrevi sobre isso.
Também não quero discutir aqui qual a importância de Monique ter dito o que disse. Só me interessa, neste texto, usar o caso para discutir o processo de checagem do material.
1) Primeiro de tudo: ainda antes de qualquer manifestação do Intercept, já era possível perceber que a nota que Monique mandou para O Antagonista não responde ao que estava na reportagem. O Intercept publicou uma conversa em que ela diz, em 1º de novembro de 2018: “E essa fama do [Sergio] Moro é antiga. Desde que eu estava no Paraná, em 2008, ele já atuava assim. Alguns colegas do MPF do PR [Paraná] diziam que gostavam da pro atividade dele, que inclusive aprendiam com isso”.
2) Eis o que ela afirmou a O Antagonista para rebater a veracidade do conteúdo, um movimento que nem Moro, nem a força-tarefa tiveram coragem de fazer, porque sabem que cedo ou tarde podem ser contraditados: “[...] conforme pode ser obtido publicamente dos meus assentos funcionais, durante praticamente todo o ano de 2008 eu trabalhei como procuradora de contas do Ministério Publico junto ao TCE do Rio de Janeiro, cargo que assumi em 2006. Nunca tinha ouvido falar do ex-juiz Sergio Moro, muito menos tive contato com alguém do MPF/PR. Tomei posse no MPF em dezembro de 2008, com lotação numa cidade do interior do Paraná. Da posse, seguiu-se logo o curso de ingresso e vitaliciamente em Brasília, e o recesso judicial, e só fui conhecer alguém do MPF/PR que já tinha trabalhado com o ex-juiz Sergio Moro, ou menção a esse nome, tempos depois [...]”.
3) Para quem quer que saiba ler, a nota dela não contesta a informação da conversa. Leiam bem. Mais ainda: é perfeitamente factível que alguém, dez anos depois de chegar ao Paraná, refira-se a “desde 2008” em uma conversa de chat, até pra reforçar quanto tempo faz que ela sabe que o Sergio Moro tem “essa fama”. Todo mundo usa esses expedientes expressivos. Mesmo que ela só tenha conhecido qualquer membro do MPF/PR a partir de 2009, se ela chegou ao Paraná em dezembro de 2008, ter afirmado o que ela afirmou é compreensível e, mais ainda, não é desmentido pela nota.
4) Depois, o Intercept soltou um fio no Twitter para mostrar como checou que Monique é Monique. Em resumo: i) Buscaram a confirmação em um chat privado dela com Deltan Dallagnol, em que ele buscava a citação de uma obra que ela havia comentado com ele – obra que de fato existe, e que tem uma única Monique como colaboradora; ii) A base de dados do MPF mostra que havia uma única Monique ativa na época; iii) A base mostrava que não havia nenhuma Monique entre procuradoras aposentadas na mesma época; (iv) em uma conversa, há uma referência a um familiar de Monique, que foi confirmada, mas não divulgada, por proteção à vida privada.
5) Depois, como mostrou o Fabio Sá e Silva no Facebook, descobriu-se que a obra foi citada por Deltan em uma de suas defesas apresentadas ao CNMP menos de um mês depois da conversa em que ele pede a referência. A autora é Monique.
6) Mais ainda: o Correio Brasiliense soltou uma nota afirmando que um dos procuradores que estava nas mensagens divulgadas na mesma leva confirmou a veracidade delas. Ele não se identificou, por razões óbvias. Conheço o autor da matéria, é um colega que trabalha comigo no comitê de imprensa do STF.
E um pouco mais: o El País Brasil mostrou que uma procuradora publicou um artigo manifestando preocupações que, três dias antes, ela havia manifestado em conversa com colegas procuradores, dizendo-se “voto vencido”.
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