Hoje, há 31.974 processos à espera de solução no Supremo Tribunal Federal (STF). Desses, 2806 tramitam na corte há dez ou mais anos. Mesmo assim, o ministro Celso de Mello, relator de uma das ações que discute a criminalização da homofobia no tribunal, tomou uma sessão inteira, por cerca de quatro horas, para ler pouco mais da metade de seu voto.
Na melhor das hipóteses – se os ministros tiverem boa vontade e concluírem a votação na próxima quarta-feira (20) –, o tribunal vai ter levado três sessões plenárias inteiras pra julgar duas únicas ações discutindo o mesmo assunto. Metade desse tempo terá sido tomado pelo voto do ministro mais antigo do tribunal, que está lá desde agosto de 1989. Por que Celso de Mello fala tanto?
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Antes de tudo, não sejamos injustos. É certo que mais de 90% dos processos do tribunal terminam em decisões individuais – há críticas que podem ser feitas a isso também, mas o movimento parece inevitável em uma corte que, em 2009, tinha mais de 100 mil processos pendentes de julgamento. O plenário nunca daria conta de julgar todos eles.
Aliás, nem precisa. Há processos que morrem nas mãos dos ministros e outros que se resolvem nas turmas. Uma série de mudanças que não vem ao caso conseguiu baixar bastante o número de processos que mofam no tribunal. Também é perfeitamente natural que certos casos mais emblemáticos tomem mais tempo de discussão.
Mas, convenhamos, o falatório está longe de ser razoável. Por que, afinal, Celso de Mello e os colegas falam tanto?
A primeira hipótese é a TV Justiça. Em agosto de 2002, o STF passou a ser o primeiro tribunal de cúpula do mundo a televisionar ao vivo suas sessões. Que eu saiba, continua a ser o único. O economista Felipe de Mendonça Lopes usou métodos econométricos para medir o efeito da telinha nos ministros. Segundo suas pesquisas, as decisões do STF em casos de Ações Diretas de Constitucionalidade contra leis federais pularam de uma média de 37 páginas, antes da TV Justiça, para 85 páginas depois do televisionamento. Há decisões famosas, como a do caso da reserva indígena Raposa/Serra do Sol, que passam das 500 páginas.
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“O resultado principal [dos efeitos da televisão] é que os juízes se comportam como políticos: quando lhes é dado tempo gratuito de televisão, agem para maximizar sua exposição individual. Para isso, escrevem votos mais longos e interagem mais frequentemente com seus pares”, escreveu o economista em artigo publicado no ano passado. Pelas suas contas, Celso de Mello é o segundo colocado, em média, no quesito votos mais longos, só perdendo para Gilmar Mendes. Um pouquinho de vaidade também não entraria nessa explicação?
A outra hipótese para explicar a lenga-lenga é a do bacharelismo. Mesmo sem a TV, diversos juristas já apontaram que o STF tem uma tradição de votos longos, cheios de ostentação de erudição e muitas vezes nada claros mesmo para quem tem formação jurídica. Isso revela, para muitos críticos do tribunal, uma incapacidade de ir “direto ao ponto”, de precisar a questão jurídica que está em jogo e dar os melhores argumentos para sustentar a decisão de um lado ou de outro. Não é raro que cada ministro decida por uma razão diferente e, embora o resultado seja proclamado, ninguém consiga dizer exatamente qual jurisprudência o Supremo está firmando num caso.
Não há nada que obrigue o STF a funcionar dessa maneira. Os ministros sempre chegam à sessão com os votos prontos. Mesmo se o relator de um caso quisesse ler seu voto inteiro, os outros poderiam simplesmente aderir à tese vencedora, sem precisar ler os próprios votos.
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Na Suprema Corte dos Estados Unidos, onde ninguém assiste à deliberação entre os juízes, um único deles escreve a decisão vencedora em nome de todos que concordam com o resultado e com as razões que o justificam. Os que discordam assinam também uma única decisão discordando. Se um ou mais concordam com o resultado, mas por razões diferentes da maioria, assinam da mesma maneira uma única decisão separada.
Independentemente do que se pense sobre o mérito da criminalização da homofobia estar sendo julgada pelo STF, ou do resultado que o julgamento terá, o país já assistiu embasbacado à longa litania de Celso de Mello. Antes da sessão, outros ministros até faziam troça da própria situação, brincando com o tamanho do voto de Mello – e alguns até pareciam achar que a extensão do voto era um sinal de sua qualidade.
Como se vê, há um longo caminho pela frente – talvez até mais longo que o voto de Celso de Mello.
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