Os grupos de aplicativos do Ministério Público Federal (MPF) estão pegando fogo novamente. No centro da polêmica, expoentes dos setores à esquerda e à direita na instituição, em mais um trailer do que será a disputa renhida que se avizinha pelo cargo de procurador-geral da República (PGR). O mandato da atual PGR, Raquel Dodge, termina em setembro – e o meio de campo está mais que embolado.
A subprocuradora-geral Deborah Duprat, que comanda a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), enviou ao Conselho Superior do Ministério Público (CSMPF) uma manifestação contrária à indicação do colega Ailton Benedito Souza, do MPF em Goiás, para a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP) do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos (MMFDH). A questão será debatida no CSMPF nesta terça-feira (7).
Duprat é uma das líderes do bloco “progressista” do MPF. No curto período em que exerceu interinamente a PGR em 2009, ajuizou no Supremo Tribunal Federal (STF) as ações que acabaram liberando a marcha da maconha, o aborto de fetos anencéfalos e a possibilidade de mudança de nome e sexo no registro civil de pessoas trans sem necessidade de cirurgia ou laudo médico. Já Benedito ganhou fama nos últimos anos por sua atuação forte e abertamente conservadora nas redes sociais e por sua atuação contra a “censura branca” de Facebook e Twitter contra perfis de usuários.
Benedito foi convidado para compor a CEMDP do MMDFH no último dia 15 de abril, mas sua designação por decreto presidencial depende da prévia indicação formal da PGR. Diz a lei que é função da PGR “designar membro do Ministério Público Federal para funcionar nos órgãos em que a participação da instituição seja legalmente prevista, ouvido o Conselho Superior”. Foi nessa fase que a procuradora Deborah Duprat – que não faz parte do CSMPF – resolveu usar seu cargo como chefe da PFDC, que é um dos três grandes braços do MPF, para se manifestar contrariamente ao nome de Benedito.
Fora a disputa política, há uma questão jurídica importante: pode uma instituição MPF barrar uma nomeação que compete ao presidente da República? Se a PGR não assinar a designação de membro do MPF, o presidente não poderá nomeá-lo por decreto? Até o ponto que consegui perguntar a membros do MPF, a situação seria inédita e poderia gerar um impasse.
“A manifestação da PFDC é pela incompatibilidade do Procurador da República Ailton Benedito de Souza para integrar uma comissão cujo propósito principal é, a partir do reconhecimento da culpa do Estado brasileiro por atos cometidos por seus agentes no período de 2 de setembro de 1961 a 5 de outubro de 1988, acolher os familiares dos desaparecidos políticos e empreender esforços que lhes permitam chegar aos seus corpos ou, ao menos, à verdade dos fatos”, escreveu Duprat em manifestação do dia 26 de abril.
Benedito manifestou-se neste sábado (4). “Destarte, no âmbito do MPF, não se pode pretender punir, ainda que dissimuladamente, membros que veiculam pontos de vista dissonantes no espaço público, a pretexto de se praticar uma ‘censura do bem’ contra o ‘herético’; fenômeno que esconde o medo de que o outro possa provocar ‘dissonância cognitiva’ nos imunizados”, escreveu o procurador. “Em nenhuma disposição relativa à matéria se enuncia que a PFDC deve opinar sobre a indicação de membro do MPF para integrar a CEMDP. Talvez, no afã de opinar, expedir notas técnicas, recomendações etc., sobre tudo, independentemente de suas atribuições, a PFDC acabe se esquecendo de que o ordenamento jurídico serve para regular inclusive a sua atuação”, afirmou ainda.
Duprat elenca as seguintes razões para defender sua tese:
Benedito contesta que não tenha experiência na área da Comissão, citando um inquérito que presidiu em 2009 para investigar mortos e desaparecidos em Goiás, mas pontua que sua “atuação na matéria em questão não está vinculada obrigatoriamente a entendimentos dos mencionados Grupos de Trabalho, para os quais, inclusive, não costumam ser designados membros do MPF que, de antemão, possam ter opiniões que se vislumbram divergentes das predefinidas”.
“Com efeito, não pode a PFDC arvorar-se detentora de competências e prerrogativas do Conselho Superior do Ministério Público Federal nem do Procurador-Geral da República, muito menos do Congresso Nacional e do Presidente da República, e inovar a ordem jurídica, criando requisitos ideológicos e, consequentemente, ilegais para integrantes da CEMDP”, conclui Benedito.
Não é a primeira vez que a PFDC tenta garantir para si uma reserva de mercado. Quando a atual PGR teve de recuar na sua intenção de criar os Ofícios Especializados indicados diretamente pela cúpula do MPF – apelidados de “procuradores biônicos” e que atraíram a repulsa de mais da metade dos membros ativos do MPF –, veio à tona a tentativa da PFDC de criar, no seu ramo do MPF, a mesma iniciativa, em que os procuradores dos ofícios seriam indicados diretamente pela chefe da PFDC. No caso, a mesma Deborah Duprat, que fica no mandato até maio de 2020.
Com os sinais cada vez mais claros de que o presidente da República pretende indicar um PGR alinhado a suas convicções – e sem a clareza sobre se respeitará ou não a lista tríplice que a categoria vai votar em junho, observada desde 2003 por todos os presidentes – a disputa por espaço no MPF não vai acabar tão cedo.
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