Meus caros leitores, é impossível que vocês já não tenham percebido que encontram, neste humilde escriba, um opositor ferrenho do governo. Tampouco acredito que tenham deixado de notar que o objeto central deste conjunto de artigos, que semana a semana entregamos com regularidade inglesa, é a análise dos movimentos do tão propalado xadrez 4d - certamente uma versão mambembe de qualquer estratégia política vencedora. Mas, se o xadrez 4d evoca o falso mito de um grande jogador político, o que Bolsonaro não é de modo algum, não se pode dizer que ele não possua um agudo senso dos seus objetivos comezinhos, hoje reduzidos, essencialmente, a dois: salvar a si mesmo e à sua família
Foi neste contexto que ele recuou após a manifestação do dia 7 de setembro. Já passado um mês da fatídica carta, assinada pela mais improvável das duplas, Michel Temer e Bolsonaro, começamos a ver um certo nível de estabilidade geral na quantidade homérica de notícias estapafúrdias produzidas pela retórica do Bolsonaro. Estabilidade, contudo, pontuada pelo avanço contínuo das investigações em torno a seu círculo familiar e pela deterioração de sua base popular. A dinâmica desses dois fatores do bolsonarismo parece não ter sido alterada. Eles avançam, e contra o mito.
Recapitulando os fatos, à guisa de um longo preâmbulo para a mais nova jogada do presidente. Nestes mês e pouco da fatídica Carta de Pacificação do Brasil, ocorreram, entre outras coisas: a) a offshore em um paraíso fiscal do ministro Paulo Guedes b) os créditos “facilitados” para os amigos do Rei (e da Rainha, já que abertos pela influência de Michele Bolsonaro) c) possibilidade de indiciamento de Carlos e Eduardo Bolsonaro pela CPI d) envolvimento de Ana Cristina Valle com supostos ilícitos e) notícia sobre a mansão de Jair Renan e last, but not least, a contínua queda de aprovação do governo e as sistemáticas derrotas que Bolsonaro apresenta para quaisquer candidatos no segundo turno, notadamente Lula.
Enfim, não parece um cenário exatamente promissor. Agregando mais um elemento ao drama de Bolsonaro, temos uma queda acentuada da sua base de apoio no sul e no norte - precisamente as regiões onde Bolsonaro contaria com uma base mais sólida. Esse enfraquecimento, provavelmente, é efeito da sua recuada monumental após o dia 07 de setembro. Os que esperavam um grande golpe militar, um ataque final e fulminante contra o sistema, se decepcionaram pela previsível covardia de um “cão que ladra, mas não morde”.
É nesse contexto que Bolsonaro anunciou que irá depor pessoalmente em razão do caso da interferência presidencial na PF (caso que está correndo no STF e, como se sabe, motivou a saída de Sérgio Moro do governo). Ao optar por depor pessoalmente, o ônus de escolher o momento e a oportunidade do depoimento fica nas mãos do presidente. Além disso, esse movimento reduz a tensão entre a suprema corte e o presidente, uma vez que ele abandona a exigência de que seu depoimento seja por escrito. A PGR, aliás, em uma manobra jurídica digna de Better Call Saul, já havia defendido o direito do presidente não depor, o que suscitou uma resposta vigorosa por parte do ministro Alexandre de Moraes, na qual ele replica uma obviedade: a de que o indiciado não pode se recusar previamente a oitiva, mas exercer o seu direito ao silêncio no próprio depoimento.
Não se pode desprezar tampouco, nessa estratégia, o seu valor simbólico. No bolsonarismo, simbolismos são absolutamente vitais, dado que eles sempre operam no terreno do imaginário. Qual o simbolismo que será colocado por toda a sua base quando ele for depor?
Tenho certeza de que será construído um discurso de apologia baseado na livre vontade de depor perante seus “inimigos”. Aguardem e vejam os influencers do bolsonarismo tentando carimbar: o presidente foi enfrentar o STF. Ainda que não seja de modo algum o conteúdo objetivo do depoimento; ainda que o tom e a maneira de se portar de Bolsonaro possa não denotar qualquer desafio ao STF; ainda que o depoimento venha no contexto de uma maior pacificação com o supremo tribunal, e que não seja do interesse de Bolsonaro esgarçar mais ainda as relações com a corte (em especial, com Alexandre de Moraes), isso nada significa. Na prática, as narrativas do gado sempre estão em descompasso com a realidade dos fatos. Não seria a primeira nem a última vez. Para eles, vale a inversão do velho adágio romano: “a mulher de César só precisa parecer honesta”. No caso, Bolsonaro só precisa parecer corajoso. Nada mais, nada menos.
Em resumo, ele se coloca numa posição mais favorável, reduz as tensões com o STF e pode contar com seus fiéis asseclas para transformar esse recuo submisso e racionalizado numa demonstração de coragem e serenidade perante seus adversários. Palmas para ele! Mas, em última análise, vigora sempre o mesmíssimo quadro desde o princípio do governo: pequenas vitórias táticas num cenário estratégico de terra arrasada. E, enquanto isso, o Brasil vai cambaleando.
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