Quem assistiu o vídeo de estreia do agora youtuber Lula em seu canal tomou um susto: a retórica explosiva do nós contra eles foi deixada de lado, em prol de um ex-presidente faceiro e praiano, ostentando um chapéuzinho pra lá de relax que fazia o petista mais parecer um músico do Falamansa.
A fotografia do vídeo, construída por Ricardo Stuckert, era leve e agradável; Lula estava emoldurado pelo robusto batente amarelo de uma janela de madeira, no que parecia ser uma casa colonial em Paraty. Devem ter tomado uma — ou duas — caipirinhas antes da filmagem. É provável que sim. Deixa o homem trabalhar era seu slogan para 2006. Agora ele quer descanso.
Na peça, Lula deu um cavalo de pau no discurso que ensaiou após sair da cadeia. Ficou para trás o “povo na rua como no Chile”; surge no horizonte o “trabalho em conjunto com o Congresso”. Contra o “ódio de Bolsonaro”, Lula propõe o "amor". E diante do inevitável (ainda que tímido) crescimento econômico, sua ressalva é que a alta da bolsa não se reverte em melhoria de vida para o povo mais pobre.
Do ponto de vista político, não é pouca coisa. Lula não mobilizou multidões em sua turnê pós soltura. O máximo que conseguiu foram algumas festas “Lula Livre” regadas a shows gratuitos e cenários para Instagram de lacrador. Não é exatamente o clima de revolta pretendido por seus prosélitos. A “chilenização” imaginada ficou mais pra ciranda e arrasta-pé, o que deve ter frustrado Guilherme Boulos e avivado a alma de Criolo e similares.
Os sinais enviados por Jeremy Corbyn servem de alerta: a radicalização de esquerda, em reposta ao fenômeno da direita populista, não parece ser o caminho mais inteligente. Trump sabe disso, e torce silenciosamente pelo sucesso de uma Warren ou de um Sanders nas prévias do partido Democrata; e não é segredo para ninguém que o bolsonarismo saliva por uma radicalização política nas plagas do petismo.
A fórmula vencedora do "Lulinha paz e amor” , hegemônica na década passada, passava por uma complexa relação de simbiose com o centro patrimonialista representado pelos velhos partidos fisiológicos. Lula até comprava o congresso — mas com carinho! Em meio às chuvas e trovoadas do "presidencialismo de destruição” de Bolsonaro — resposta política ao clássico diagnóstico de Sérgio Abranches — Lula se pinta de bonança e calmaria.
Tem sentido. Pela primeira vez em décadas, o centro(ão) se assume como tal e se propõe alternativa. Um constrangedor vídeo bancado pelas legendas desse agregado foi divulgado como manifesto; exalta as “virtudes do centro”, como resposta ao extremismo. Cargos em estatais e emendas para votar reformas não eram mencionados na peça, ao menos para um espectador pouco cuidadoso como eu. Esses caras costumam trabalhar bem nas entrelinhas, imagino.
O investimento tem endereço: querem se vestir de noiva para receber um competitivo Luciano Huck no altar das eleições de 2022. E isso, sim, tira o sono dos estrategistas do PT. Huck é problema para Lula: fala para o eleitorado popular que cravou o 13 nas últimas 4 eleições, além de soar amistoso para setores da classe média. Entregar-lhe de bandeja a fórmula vencedora da última década não parece ser a melhor das ideias.
Entre uma chilenização impossível e os prazeres da moderação, Lula parece ter optado pela segunda opção. E já ensaiou o primeiro movimento conjunto, mobilizando a oposição de esquerda, junto ao centro de Maia, para diluir o pacote anti-crime de Sérgio Moro. De Freixo a Orlando, todos acompanharam; foi o movimento mais significativo do retorno de Lula ao campo de batalha.
Não imagino, porém, que a estratégia agradará a militância. As teses revoltosas do 7º Congresso Nacional do PT mostram uma legenda contrária a política de conciliação; mesmo seu eleitorado ficará confuso com a aposta do presidente, após anos denunciando o “golpe parlamentar” contra Dilma Rousseff. Num momento em que Ciro Gomes ainda tenta tomar as rédeas da oposição à esquerda, este pode ser o calcanhar de Aquiles do estratagema do ex-presidente.
Agora, porém, é aguardar.
E relaxar.
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