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A Revolta do Leblon
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“Eu sei o que fizemos na sua casa, na Barra da Tijuca” , disse um irado Zé de Abreu em seu twitter. “Vou-lhe desmascarar”, arrematou. O ator e militante global referia-se a sua ex-amiga Regina Duarte, agora Secretária de Cultura do regime fascista de Jair Bolsonaro. Em sua mente transloucada, expor uma colega, em nome do combate ao fascismo, é mais que demonstração pública de virtude: é uma necessidade.

Zé de Abreu é a vítima mais aparente de uma endemia que assola a classe artística brasileira — a carioca em especial —, nestes estranhos tempos de política em redes sociais. É o elitismo arrogante de uma nobreza decadente, enfermidade mais letal — porém menos infecciosa — que o coronavírus que se espalha pela Ásia. E dele, infelizmente, não temos como fugir.

Marcelo D2, cantor pop, já havia “dado uma das suas” ao propor uma simpática inscrição de suásticas — à faca — na testa de direitistas liberais. Esse não parece ter cura. Foi ovacionado no twitter, sem objeções, por jovens influencers que lhe tem como herói na luta por algo que não sabem descrever. Mas casos como o seu não são tão frequentes.

Os sintomas da empáfia decadente costumam ser mais blasé. Um bom vídeo de protesto organizado por Paula Lavigne, filmado diretamente do Leblon, é uma técnica mais comum. Globais fazem rosto de reprovação, texto em off comendo solto, pianinho nojento mandando a trilha sonora: quem nunca apreciou?

Temos também modalidades menos pirotécnicas como notas públicas, abaixo assinados, fotos-protesto no Instagram (para as gerações mais novas) e convescotes regados a vinho no apartamento de alguma celebridade. Tudo vazado para a imprensa — como tem que ser — com ares de espontaneidade e,  por que não?, estilo e brejeirice.

O desespero com que essa classe encarou a chegada de uma das suas, Regina Duarte, a um governo considerado inadequado dá o tom de uma melancólica queda que ainda não conseguem aceitar. Não apenas uma queda em audiência, faturamento e relevância, mas também da corte ensolarada que até ontem era ovacionada nas ruas e praças. Morreu seu estilo de vida.

A nobreza artística carioca nunca encontrou paralelo. Vivendo em seu mundo particular, rodeando a Rede Globo, ela era, antes de tudo, uma turma de amigos, um clube fechado e exclusivo. Recebiam altos salários, conviviam nos mesmos bares, praias e restaurantes. Tinham seus líderes, suas tribos, seus rituais. Eram felizes — amados pelo povo —, e nada poderia lhes fazer mal.

Construíram, desde os tempos da ditadura, uma perspectiva muito particular de Brasil — profundamente carioca —, que se refletia nas temáticas das telenovelas e em suas leituras sobre o que eram as prioridades do país. Não viam que em meio às suas elocubrações sobre “o morro e o asfalto” havia um povo, complexo, que não se resumia à antiga capital imperial.

Como nobreza, souberam servir ao seu rei. Foi nos tempos de Lula presidente que sorveram o néctar das leis de incentivo — devidamente mediadas por Paula Lavigne, mecenas do dinheiro público. Viram também seu sonho elitista de Brasil se desfraldar na forma de "políticas públicas" — ou propaganda que acalentava seus peitos. Percebiam, na realidade, a projeção de seus delírios de Chardonnay. Tempos dourados que precederam a queda.

As jornadas de 2013 serviram de prenúncio para uma revolução que lhes apeou do poder. Em 2016 caiu não apenas Dilma, mas o mundo das artes que lhe servia de suporte. Percebam: foi no ano seguinte, 2017, que a chamada “guerra cultural” atingiu seu ápice. Ali surgiu o “342 artes” e as iniciativas políticas mais agressivas da nobreza decadente. Em resumo, propunham brioches após a queda da bastilha. Ainda propõem. Mal sabiam que o povo — ou público, como preferem — já vivia do pão que o diabo amassou.

Derrotados em 2018, adentraram o debate com uma perspectiva muito particular: a de que o estrangulamento de verbas para suas iniciativas era uma “sabotagem à arte”. É notável que teçam, enquanto nobreza, uma natural titularidade sobre verbas ligadas ao setor. Era fato dado, expressão de Estado de uma configuração social que julgavam imutável.

Sejamos sinceros: escandaliza-os mais a ausência de dinheiro do que o nazismo de botequim de Ricardo Alvim. Arte, pra eles, é quintal de casa com despensa cheia. A festa que não pode acabar.

O chororô e a deselegância com que atacam Regina Duarte — incluo aí Carolina Ferraz — nos mostra que a nobreza do Leblon não cairá sem luta. Haverá indiretas, sabotagens e muito apartamento lotado em saraus antifascistas. A resistência promete. Ao final da festa, regressarão para suas casas, eufóricos, para tomar um revigorante banho de coliformes fecais enquanto maquinam soluções para problemas que jamais ousaram viver.

Involuntariamente — ou ironicamente — estarão produzindo arte da melhor qualidade.

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