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Alguns diriam se tratar de um pesadelo. Creio eu ser febre — daquelas pesadas, que acometem o enfermo nas madrugadas, inundando a cama de suor. As visões, repetidas, sucedendo em cascata, trazem consigo uma agonia que nos impele a acordar. Mas está difícil sair do sono.
Vejo a marcha ensandecida do politicamente correto avançar como nunca dantes.Vejo idiotas derrubando estátuas, invadindo igrejas, queimando casas. Vejo canceladores sabotando empresas, senadores celebrando censura, racistas combatendo racismo.
Vejo Churchill pichado em Londres e cancelado para as próximas gerações. Vejo Colombo, descobridor da América, tombar inerte sob aplausos de uma imprensa bovina. Vejo a pequena sereia — a própria, com rabo de peixe e longas madeixas — ser pixada e acusada de racista na pacífica Copenhagen.
Vejo Washington, Lincoln, Roosevelt e Jefferson, retratados no monte Rushmore, contando os dias para seu fim. Vejo Frederick Douglass, herói do abolicionismo americano, devidamente vandalizado por militantes anti-racistas. Vejo o The Guardian anunciar que “grandes metrópoles são machistas”, posto que seus prédios parecem “falos ejaculando no ar”.
Vejo a infâmia se tornando padrão, covardes sendo premiados. Vejo as novas gerações negando sua história, construindo (construindo?) futuro sob bases sentimentais. Vejo o ocidente se afundando em espetáculo, protestos que viraram performance, dinheiro que flui do caos. Vejo a barbárie sem sentido à venda na internet, ao alcance de um click.
A pandemia seria momento de reflexão; virou causa de inflexão. O populismo de direita, resposta natural ao processo, sucumbe à agenda progressista que soava dormente, mas operava em latência. A marcha da insensatez se fez global. As razões são muitas para a falta de razoabilidade. Mas o mergulho no abismo, senhores, é real.
É possível ler o momento atual como expressão política de uma geração que, derrotada nas urnas das grandes democracias ocidentais, venceu a batalha simbólica das grandes causas a se combater. Os ditos snowflakes, prosélitos do politicamente correto e das demonstrações públicas de virtude e tolerância, espraiaram sua visão de mundo em grupos sociais outrora imunes à sua cantilena.
Utilizaram George Floyd como mártir de uma causa outra que sua própria morte. Não deixa de ser trágico que este negro americano, vítima de assassinato brutal, tenha morrido novamente nas mãos de uma militância branca, elitizada e profundamente alienada. São brancos à procura de redenção, vítimas de uma religião laica, gritando “black lives matter” como mantra que diz mais sobre sua vaidade do que sobre a dor de George e outros negros.
Estes homens e mulheres insensatos, vazios de propósito, encontram na militância-espetáculo a razão de ser para uma existência incerta. São pregadores dos novos tempos, missionários-pop de um culto macabro de vingança e expiação. Não estão ali para curar almas; querem vingança, submissão e destruição.
Enganam-se todos que crêem na “guinada conservadora” dos últimos anos. O fenômeno, distante da análise de Cristopher Lasch, é muito menos um reencontro com os valores do homem comum do que entretenimento político em redes sociais. De Trump a Bolsonaro, vemos tuítes e jogos de cena, brigas de internet que mais parecem o finado Telecatch e sua luta livre de mentirinha. São a contraparte necessária ao espetáculo, quando o que precisamos, em resumo, é denunciar e derrotar o próprio espetáculo.
A agenda auto-destrutiva do politicamente correto está mais forte do que nunca. É forte porque real — inserida na academia, no jornalismo e nas artes. Se tanto avança, demolindo história, reescrevendo passado, redesenhando futuro, é porque as respostas conservadoras não foram suficiente poderosas. No fim do dia, essa direita lacradora — tão interessada em likes e fama, como seus opositores — é mais sintoma do problema do que parte da solução.
Ainda veremos os reflexos dessa doença por aqui. A participação de um Felipe Neto no Roda Viva, chamando 60% dos brasileiros de golpistas, foi o prenúncio da inflexão. Torcidas organizadas viraram democratas, Monteiro Lobato foi cancelado. É questão de tempo até que a roda da fortuna nos apresente a cara do novo momento. É bom nos prepararmos. O que vem aí não é bonito.