“Vencemos!”, diziam os próceres dos principais partidos ao final das eleições 2020. A despeito dos desempenhos sofríveis do PT e do PSDB, o velho sistema político (ou máquina,“centro”, ou establishment, como preferir...) entregou. Foram vitórias maiúsculas de legendas como o DEM e o PSD. O sistema respira. Especialmente após 2018.
Desenhava-se uma fórmula de consenso, baseada na rejeição a Bolsonaro, no desprezo ao PT, e numa espécie de apatia e desinteresse típicos de uma população que abandonou as paixões políticas. O desapego foi tal que a abstenção no pleito bateu recordes; bom sinal pra quem considera cidadania uma sorte de radicalismo inconveniente.
Analistas imaginavam, com certa razão, que o conjunto da obra favoreceria os planos arquitetados por Rodrigo Maia. Ou por João Dória. Ou Huck. Na verdade, não sabiam exatamente de quem era o plano, mas que algum plano havia, havia. Era, talvez, mais torcida que análise. Temendo a continuidade de Jair, erigiram seus próprios mitos. Natural que seja assim. Esperança, por vezes, se confunde com ilusão.
Fato é que Maia balbuciava um esboço de projeto nacional, mas se esqueceu de combinar com os russos. Voou alto como Ícaro; lá do céu, já não avistava a planície. E são nas pradarias que as raposas se espalham. Vencedor nas eleições, não construiu sucessor. Baleia Rossi, nomes engraçados à parte, não era opção. Lira largou na frente, e Maia viu seu bloco — seu “centro” — mostrar a mesma disposição política das suas notas de repúdio. E é aí que entra Bolsonaro.
O presidente soube jogar no centro da oposição de centro, empoderando grupos divergentes no seio das articulações do DEM e do PSDB. No primeiro, impôs derrota vexatória ao grupo de Maia. Articulou — fez política — junto ao time de ACM Neto. Cálculo simples: Neto quer projeto regional. Como bom caudilho, olha mais para seu quintal do que para um projeto de país. O Bolsonaro que está aí, um Bolsonaro de carteira aberta, é amigo de projetos como esse. Especialmente quando ferra seus adversários. Deu match.
ACM ganhou dele um ministério, mas não por que seu DEM — um resto de DEM — lhe traz base de apoio. Ganhou pois rachou o adversário. Tem lá João Roma, um de seus “menudos”, para operar com a caneta amiga em nome do chefe. Vai ter grana na base de Neto. E não vai ter DEM — seja com Mandetta, Huck ou Dória — importunando o presidente.
No PSDB, o xadrez foi ainda mais cruel. Bolsonaro trabalhou com Aécio Neves (aquele de 2014, alguém lembra?), fomentando uma divisão que já era esperada. Aécio se vingaria de Dória, cedo ou tarde. O governador paulista plantou divisão, colheu desprezo. Não conta com apoio para sequer disputar as prévias no partido.
O Aécio que negociou com Lira é o mesmo que bancou Eduardo Leite, governador gaúcho, para ocupar o posto de pré-candidato tucano. O governador já anunciou que o PSDB não deve ser oposição ao presidente. Curioso, não? Bolsonaro levou o partido e arrebentou o rival. Ponto para o presidente. Sua nêmesis, João Doria, é agora um João-Sem-Terra. Procura um novo lar, nômade que está, junto a Maia e seu grupo.
“Ah, mas e o PT?” dirá o leitor desavisado. Vai bem, obrigado. Ao menos no xadrez. Não vou me repetir aqui sobre a articulação presidencial junto ao petista — vocês leem as notícias. Moro e a Lava Jato estão sendo crucificados no altar do STF. É a redenção do operário perseguido. Lula, nos bastidores, agradece e parabeniza o atual mandatário. Sinergia que chama? Oposição que não é.
Bolsonaro fortalece Lula, pois ganha em duas frentes: na direita, ao colocar Moro contra a parede, eliminando sua candidatura; na esquerda, fortalecendo o PT e tirando deste campo nomes menos rejeitados pela população. Ambos acreditam derrotar um ao outro no segundo turno. Cada qual com sua ilusão. Perdemos todos, não importa o resultado.
Mas de que adianta sofrer se o resultado é inevitável? Relaxa e goza, já dizia Marta Suplicy. É suplício a ser vivido, traição a ser digerida, destino a ser cumprido. O Brasil vai para o abatedouro armado, sem vacina, entupido de Ivermectina. “Mas o presidente aprendeu a jogar!” dirá seu fã, na frente do carrasco. Lira aguarda com a pistolinha de ar. “Será indolor”, ele promete.
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