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Renan Santos

Renan Santos

Cancelamento: A esquerda já venceu

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Isso tudo soa como filme de comédia. Como pode a quadrilha que foi enxotada do poder, 5 anos atrás, retornar ao jogo com tamanha desenvoltura, apontando o dedo para seus adversários como se os crimes cometidos por seu bando fossem mero detalhe a ser esquecido — eliminado — da memória coletiva?

É, amigos, o PT está de volta. Mais forte do que nunca. Revista a história, refeita a base, redescobertas as redes, o grupo que comandou o Brasil por 13 anos aliou ao prestígio de Lula junto às camadas populares uma nova e vibrante base social em redes, heterogênea, que vai de fãs de Big Brother até sites de fofoca. Youtubers sensacionalistas dialogam com sites de “jornalismo investigativo”, como o Intercept e seus hackers insuspeitos; comentaristas como Reinaldo Azevedo, outrora de direita, fazem coro às teses do grupo “Prerrogativas”, advogados progressistas que tem mais audiência que toda a turma da Lava Jato.

A reorganização das esquerdas no front de batalha pelos corações e mentes é reforçada, também, pela imposição, como norma social, dos valores identitários da cultura woke, importados dos Estados Unidos como produto de luxo. As polêmicas sobre “racismo estrutural”, “machismo”, “linguagem neutra” e papagaiada do tipo se acumulam naturalmente, a cada igreja invadida e cancelamento no Twitter. Diferentemente dos EUA, porém, quase não há oposição. Não há sociedade civil organizada diante da invasão bárbara da esquerda pós-moderna.

Acha pouco? O que dizer, então, do crescimento do PSOL nas últimas eleições? Da absorção quase natural do PSB e PSDB como aliados menores na aliança com Lula? Das disputas envolvendo PSD, MDB até União Brasil pelo vice na chapa do petista? Das reversões nas condenações da Lava-Jato, do controle narrativo sobre a oposição institucional, dos números alucinantes de Lula no PodPah? As pesquisas refletem apenas o aspecto mais óbvio da ressurgência do bloco socialista; por baixo dos números há um fenômeno social que não pode ser ignorado.

Seria fácil jogar toda a culpa do fenômeno no desastre Bolsonaro. O governo é muito ruim, e reduzir a análise a isto é caminho seguro para ingressar neste debate. Não há setor da sociedade civil em que o presidente tenha sido vencedor, entregando, por tabela, nacos importantes de todos os nichos eleitorais ao candidato petista. Mas há algo de preguiçoso em atribuir ao capitão de artilharia toda culpa pelo crescimento do PT. É mais preciso afirmar que Bolsonaro é o catalisador deste processo, mas não sua razão de ser. A esquerda teria crescido com ou sem ele.

Perceba: o avanço da extrema-esquerda em toda a América Latina é real. De Fernandez, na Argentina, até Boric, o Boulos chileno; de Pedro Castillo, no Peru, até o extremista Gustavo Petro, na Colômbia, não há muito espaço para dúvidas. É esquerda pra valer, esquerda puro-sangue, com nuances que variam do populismo irresponsável até o progressismo incendiário. Há uma tendência em nosso continente — mescla única de sociedade pós-moderna com arcaísmos e pobreza extrema — em estabelecer esta estranha síntese que abarca campo e cidade, classe média e povo, num caminho diferente daquele visto nos Estados Unidos e na Europa. 

O que seria Lula, num cenário destes, além de mais uma síntese — talvez a mais diabólica delas — entre o homem do povo para a massa de eleitores empobrecidos do nordeste e o sedutor progressista para uma classe média jovem e imbecilizada? As mesmas redes sociais que propiciaram o surgimento de uma direita digital, Trump e Bolsonaro à frente, servem para fomentar um esquerdismo lúdico e histérico, formado por canceladores de plantão e fandoms de pop coreano. O espírito do tempo e a técnica, neste instante, estão ao lado deles. 

O episódio recente da destruição pública de Monark, criador do Flow Podcast, é sintomático: absolutamente TODA a rede de esquerda foi mobilizada, de artistas a agentes políticos. Imputaram ao rapaz, por suas falas infelizes, a mentirosa pecha de “nazista”. O objetivo, como sabemos, nunca foi a defesa de direitos humanos; fora, antes de tudo, a destruição de um espaço rival de debate e difusão de ideias. O volume de menções, a extensão do dano, a imposição de narrativa, categóricos como nunca antes, tornam essa investida o capítulo primeiro das eleições de 2022. É a primeira vez que a esquerda coloca seu bloco na rua, de forma articulada, e obtém uma vitória cristalina. O jogo virou.

Estejamos, portanto, alertas: o caminho para uma nova hegemonia já surge no horizonte. Os fundamentos estão todos aí. Negar o problema, antes de tudo, é evitar que se trabalhe na solução. E a direita, infelizmente, ainda está longe de abandonar o estado de negação…

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