por Augusto Mezenga
A gente acorda confuso, às vezes, e é um saco entender o mundo quando o mundo já não faz mais sentido. Juro que me considerava um cara normal, liberal na economia e conservador nos costumes, xingava uns comunistas por aí, tinha pouca paciência pra mimimi, e denunciava essa bandidagem pendurada no sistema. Era uma espécie de escape, terminava me sentindo aliviado pois cumpria minha cota pessoal de patriotismo, e acho isso importante.
Mas as coisas não estão fáceis, confesso, e já faz um tempo que minhas certezas parecem aquelas propagandas antigas de supermercado, com promoções espetaculares de produtos que já não existem mais. Me sinto defendendo videocassetes e raquetes para matar pernilongos, quando muito, e preciso pesquisar no youtube as novidades que justifiquem aquilo que ainda (ainda?) acredito.
Pois como explicar que meu xodó político, Caio Coppolla, pulou fora da base de apoio do meu presidente logo agora que Jair precisa tanto de todos nós? Fiquei perplexo, e repeti uma dezena de vezes o trecho em que Emílio, apresentador do Pânico, quase cai da cadeira após o rapaz se mostrar aberto à candidatura de Moro. Caio, meu amigo, que conversa é essa? É Moro? Como fica aquele lance do Rambo na floresta, enfrentando o sistema? A gente não tava junto nessa luta?
O Rambo era um cara muito solitário. Seus amigos de regimento morreram no Vietnã, não restou ninguém, e ele não foi exatamente bem tratado quando regressou à América. Eu vi um pouco do meu presidente nos olhos do Stallone, aqueles olhos meio esbugalhados e expressivos, e fiquei bastante satisfeito com a analogia que você criou. Assim como Rambo lutava sozinho, na floresta, massacrando policiais, russos e terroristas, Bolsonaro encara ministros do STF e chineses de vários tipos e tamanhos. Eu torcia por Rambo na frente da TV; torço por Bolsonaro em frente ao celular.
Quando você mostra desdém pelo presidente, desdenha também do Rambo. Vou mais longe: desdenha inclusive do Rocky Balboa, que é muito parecido com o Rambo (e com o Bolsonaro). Eu gosto do Rocky (e quem não gosta?), e acho que não se brinca com essas coisas. A facilidade com que se abandona um mito, hoje em dia, chega a me assustar. Eu sou um conservador, ou ao menos me considero. Creio que certas coisas estão aí pra durar. Se o Bolsonaro pretende salvar o ocidente — uma missão ambiciosa —, não podemos abandoná-lo nos primeiros percalços.
Eu não conheço o Churchill, mas com certeza ele negociou com o centrão inglês pra passar uns bombardeios na Alemanha. É o que líderes fazem, pelo que vi nos Pingos nos Is, e até Júlio Cesar devia ter seu Arthur Lira. Não se abandona um herói desses, uma luta desse tamanho, quando partimos pra uma eleição tão disputada, em que o sistema aponta suas armas contra nossa liberdade de expressão. Rambo rendeu 5 filmes e um desenho animado. Bolsonaro não pode terminar num mandato só.
Eu tenho medo quando vejo meus heróis sucumbindo assim, sem resistir, ao primeiro traidor que se levanta à procura de votos. Hoje é Moro, amanhã é quem? O Calçapertada, o Katacoquinho, o Alexandre Fruta? Conservadorismo é sobre resiliência, é sobre eternizar aquilo que é importante demais para ser abandonado. Não se abandona assim um grande amor. Não se constrói civilização abandonando seu credo. Eu li os livros do Olavo, não entendi nada; eu comprei cursos do Brasil Paralelo, me vi preso com o Allan dos Santos. Meu coração apertou na boléia do Zé Trovão, convoquei mil caminhoneiros contra o ministro Alexandre. Fiz tudo o que podia pra salvar esse país. Não aceito plot twist, gosto de coisas estáveis, isso tudo tá parecendo os novos filmes do Star Wars, em que os heróis morrem e os protagonistas são mulheres.
Desconfio, às vezes, que meus heróis são como barcos à deriva procurando a próxima onda, rastreando o vôo das gaivotas e interpretando o movimento das estrelas. O que empurrar mais forte eles estão topando. Procurei em Burke, nada encontrei; me disseram que estava nos manuais de marketing da Kim Kardashian. É complicado, eu só quero enfrentar meu sistema, cuidar da minha vida e da vida dos outros que me irritam, sou um cidadão comum, indignado com essa coisa toda. Não posso crer que minhas referências não tem referência alguma. Estou perdido mas não estou sozinho.
Rocky Balboa, que não é o Rambo, mas é quase isso, já havia dito que não importa o quanto você consegue bater. O que importa é o quão forte você consegue apanhar e continuar seguindo em frente. Pensei que nossa luta era essa. Na hora de apanharmos juntos, me vejo sozinho com meu presidente. Aí fica ruim. Não tem Rambo que aguente uma coisa dessas.
As opiniões de Augusto Mezenga não são endossadas pelo colunista Renan Santos.
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