Vem tomando corpo nas redes sociais um novo tipo de defesa do governo federal. Não é mais aquele baseado no patriotismo do mandatário e na luta contra a corrupção. Tampouco baseia-se no antagonismo direto com os governos petistas — tal forma perdeu parte do apelo. É um modelo surrado, meio óbvio, carente de criatividade. Mas, na hora do aperto, nada melhor que o bom e velho arroz com feijão.
Enfim, sem mais delongas, os prosélitos do presidente descobriram os números da economia, e com eles uma nova forma de exercer seu puxa-saquismo. Como num passe de mágica, os filhos oficiais — que até um ano atrás faziam campanha contra a reforma da Previdência — tornaram-se apologetas do reformismo, arautos das contas públicas.
E não só eles. Jornalistas que só precisavam de uma razão qualquer para se alinhar encontraram na economia a desculpa perfeita para surfarem os likes da bolsosfera. De tucanos a globais, todos foram aceitos; basta enumerar quilômetros asfaltados pelo Tarcísio com números da bolsa de valores que a mágica está feita: você virou um patriota das palavras.
Não deixa de ser curioso que tal expediente é o mesmo que alavancou o discurso eleitoral de Lula na década passada. Atingido em sua imagem pelo escândalo do mensalão, restou ao petista enumerar os dados da economia. “Tirei milhões da miséria”, “aqui tem pibão”, “pobre anda de avião”. Era a blogosfera progressista, à época, a incensar os números da economia. E ai de quem discordava! Estava, decerto, sabotando o país…
João Santana, seu marqueteiro, trabalhou bem o espírito da coisa. “Deixa o homem trabalhar!” era o slogan para 2006. A pegada agradava os recém-adesistas do centrão; traduzida para o politiquês, significava "deixa a gente roubar com o presidente enquanto você compra televisão”. O PIB veio, eles roubaram, e o país nunca se recuperou.
A tática foi adotada sem sucesso por Michel Temer. O peemedebista, cujo mandato tampão não inspirava delírios transformadores, era ciente de que seu sucesso só poderia se dar no campo econômico. Assim, atravessou triunfante a ponte para o futuro — carregando a tiracolo a PEC do Teto e a Reforma Trabalhista — e só não fez mais pois havia um Janot pelo caminho. Mas o discurso era o mesmo: o crescimento econômico haveria de purgar seus pecados.
Foi sob seu mandato que todos os fundamentos que permitiram os avanços deste ano — a própria percepção da déficit previdenciário se inclui aí — foram plantados. Tarcísio, o pavimentador, é filho do governo Temer. A relação produtiva com os ruralistas também — basta lembrar que Tereza Cristina era presidente da Frente Parlamentar da Agricultura. Tirando os números da segurança pública, capitaneada por Sergio Moro, tudo o que temos é legado do governo anterior, mantido com galhardia por uma equipe técnica alheia aos devaneios do Planalto.
O xis da questão é que não foram esses os temas que alavancaram Bolsonaro à Presidência. É válido lembrar que o atual presidente fez campanha sistemática contra a reforma da previdência e até votou pelo impeachment de Michel Temer; que juntou para si toda sorte de demagogos do ruralismo, que combateram incessantemente a agricultura organizada capitaneada por Tereza Cristina; que participou ativamente da maior campanha de sabotagem contra o país — a famigerada greve dos caminhoneiros de 2018.
Bolsonaro foi eleito sob um discurso claro que o transformou em personificação do fenômeno que varreu o país desde 2015. Haveria de combater a corrupção, “acabar com a mamata”, punir toda sorte de "vagabundos" — dos engravatados aos fortemente armados — , enfrentar as esquerdas, mudar o rumo da educação, recobrar a auto-estima do país. Nesse departamento — e soma-se aí os delírios de Olavo e Eduardo na educação e chancelaria — o presidente entregou apenas desgosto.
As razões para o fiasco são muitas, de sua óbvia inabilidade política às teses revolucionárias de Olavo de Carvalho; mas nada supera os esqueletos no armário de Queiroz e seu filho Flávio. Mais que o escândalo em si — de dimensões incansavelmente menores que qualquer coisa feita por seus antecessores — o que espanta foi a facilidade com que o novo governo cedeu nas pautas que o levaram ao poder.
Do Coaf à nomeação de Aras, de Mendonça na AGU ao “juiz de garantias”, Bolsonaro fez a lição de casa que agrada à chamada “velha política” e jogou no lixo a base social que entregou-lhe o Planalto. Isolou-se, perdeu apoio no campo da direita e agora depende, em suma, dos avanços econômicos garganteados por seus papagaios quase oficiais.
Eles consideram as declarações da família real sobre AI-5 coisa pequena; acham que a perseguição política via perfis falsos e a destruição de reputação de ex-aliados é mero choro dos perdedores; dão de ombros para a relação de submissão do Planalto ao STF e fingem que o acordo que ajudou Flávio — e soterrou a Lava Jato — jamais aconteceu. Isso tudo é papo de sabotador. O que importa, agora, é que o PIB ande. Ande não, voe! Como pobre voava de avião nos tempos do PT.
A história, queridos amigos, termina por se repetir. Só falta combinar com a tia do zap — que não está gostando nem um pouco disso aí. Ela vê em Moro — não mais em Bolsonaro — a razão pra continuar a teclar.
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