Às vésperas do espetáculo grotesco armada para o dia 7 de setembro — que em nada ficará a dever em termos de ridículo para outras festas cívicas organizadas por repúblicas de banana como forma de insuflar o ego de algum líder medíocre — temos que fazer uma inevitável reflexão. Como chegamos a este ponto? Por que não podemos abandonar o populismo e o personalismo e nos tornar uma democracia madura? Estamos fadados à herança latinoamericana de autoritarismo travestido de nacionalismo tosco feito para esconder um regime de corrupção e desastre econômico?
Antes de ensaiarmos uma resposta, é preciso lembrar que a situação do Brasil é especialmente trágica: a derrocada do corrupto e incompetente Bolsonaro pode trazer à baila — e provavelmente trará — o corrupto e incompetente Lula. Assim como na mitologia grega, a porta do inferno brasileiro é guardada por um Cérbero — um cão feroz de três cabeças. Bolsonaro, Lula e o chamado “centrão” são conectados a um mesmo corpo e, diante de qualquer autêntico desejo de modernizar o país através de um regime liberal, agem com a mesma ferocidade. Ataque uma das cabeças e as outras te mordem. Ninguém sai ileso do inferno brasileiro.
Nossa tragédia tem raízes na obsessão por uma figura messiânica e na aversão ao liberalismo. A longa Era Vargas (1930-45 e 1951-54) foi eclética: começou com uma revolução para substituir um regime podre, se aventurou num totalitarismo tupiniquim que torturou e censurou à vontade (detalhe que a esquerda insiste em esquecer) e depois se disfarçou em um nacionalismo primitivo. De coerente e constante em todo o período, só mesmo o personalismo, que fez com que Vargas fosse tido como “pai dos pobres” e continuasse comemorado até hoje como grande estadista.
Lula quis ser herdeiro de Vargas. Seu partido, o PT, não é continuação direta do varguismo, mas, alçado ao poder em 2002, Lula quis se colocar como um segundo pai dos pobres. Para tanto, se valeu de uma série de medidas populistas que criaram uma massa de pobreza fiel a ele, além de uma retórica que demonizava tudo o que não fosse o próprio governo. Sua sucessora bem que tentou seguir a mesma linha, mas tinha dificuldade com a retórica — sua notória dislexia a fez um alvo fácil dos humoristas — e com os números.
Mesmo no cárcere, Lula insistiu na narrativa fácil e enganosa de perseguição política por parte de um inimigo tão feroz como imaginário - a “elite” - que o odeia pelo fato dele ter ousado governar para os mais frágeis. Assim como a narrativa de Vargas como bondoso estadista, a narrativa lulista é puro engodo, mas funciona em um país sedento por heróis.
Aparentemente antagônico a Lula, surge Bolsonaro, político velho e velhaco, adepto de práticas como rachadinhas e privilégios. Surfando na onda liberal-conservadora construída de forma árdua por uma massa de cidadãos que não mais aguentava se ver diariamente roubada pela cleptocracia petista, Bolsonaro se apresenta como novo herói de uma direita que ainda tentava se definir. Como fiador das suas novas credenciais liberais, apresentou-nos o lamentável Paulo Guedes. Nem bem subiu a rampa do Planalto e fez como Vargas e Lula: implementou um regime altamente personalista, descolado de qualquer tendência ideológica séria, com uma retórica tola e inflamada, voltado a proteger os interesses da sua sinistra família e amparado em uma militância de lealdade canina e inteligência asinina.
Eis que aqui nos encontramos, às vésperas do feriado da nossa Independência. Temos que combater o horror bolsonarista e, ao mesmo tempo, nos preparar para a tsunami lulista que já se mostra no horizonte. Acima de nós, paira o fantasma de Getúlio Vargas, que personifica os males do personalismo populista do qual Bolsonaro e Lula são nada mais do que faces da mesma moeda.
Sair deste cenário deprimente não é simples. Requer trabalho e coragem. O primeiro ponto é sedimentar uma cultura liberal-conservadora que entenda que políticos não são heróis e nem devem ser cultuados; são servidores do povo que devem ser fiscalizados e criticados. Seus mandatos devem ser restritos, sua retórica deve ser discreta, sua reverência à sociedade e à ordem constitucional deve ser total. Não devem se colocar como líderes messiânicos, mas como administradores. Nada mais.
O segundo passo é entender algo que a doutrina liberal já sabe faz tempo: não existe almoço grátis. Criar um país próspero requer trabalho, inovação, educação, poupança e investimento. Não se cria prosperidade com canetada, muito menos com supersalários, férias de sessenta dias para magistrados, aposentadorias integrais e precoces, auxílios estatais sem fim e outras benesses. Se quisermos nos desenvolver, temos que privatizar, reduzir despesas e tributos e gastar o dinheiro de forma muito mais justa e cuidadosa.
Dizer ao povo que é necessário ter austeridade nos gastos e nos afetos, a fim de evitar que novos populistas causem sério descalabro financeiro e emocional, não é simples. É muito mais fácil acreditar em um “mito”, um “pai dos pobres” ou algo semelhante, que, por mágica, tornará a vida mais fácil. Encarar a dureza de uma solução liberal (econômica e política) é bem mais amargo, mas é a única fórmula que pode nos dar uma nova independência, nos livrando dos grilhões do populismo, que são bem mais grossos do que aqueles que nos prendiam à metrópole portuguesa.
Feliz dia da Independência.
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