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Tenho o costume de ler alguns comentários nas minhas colunas. É um importante exercício de humildade e auto-estima, e não há razão que justifique algum desconforto. Muitos que me reprovam alegam que sou maconheiro, comunista, vendido ou meramente “bandido”. Alguns já me chamaram de homossexual. Respeito suas posições, mas jogo que segue — ainda mais num momento destes.

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Sei que o ódio fideliza, e muitos que me renegam tem o prazer de acompanhar com assiduidade tudo aquilo que escrevo. É, aos trancos e barrancos, um tipo de diálogo. Passional, talvez? Sim. Mas diálogo, ainda que tardio.  

Gostaria de argumentar aqui com os leitores e haters sobre um fato de ordem prática. Ainda que me imponham a pecha de comunista, saibam que esta não é minha visão de mundo, tampouco algum tipo de fetiche que nutro secretamente. Mais que anticomunista, sempre fui adversário ferrenho do PT, partido que marcou minha vida, desde a infância, enquanto nêmesis e ameaça.

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Vi Lula, pela primeira vez, no estádio do Morumbi, em 1989. Era final do brasileirão, São Paulo e Vasco. Como filho de tricolor, estava presente, aos 4 anos, para (tentar) ver meu time ser campeão. Perdemos, acontece, gol do Bismarck. Mas o que me marcou, neste dia, no colo do meu pai, foi ver o barbudo petista, vestindo camisa de seda, desfilar com charuto em mãos comemorando a vitória dos cruzmaltinos. 

Meu pai me indicou — “veja, Renan, aquele ali é o Lula”. Fui colocado no chão, e meio que sem pensar, corri até o petista e o mandei tomar naquele lugar. Foi, talvez, minha grande proeza política nestes 37 anos de vida, inigualada por tudo que tenha feito dali em diante. Mais que isso, serviu de base pra tudo o que fiz depois em termos políticos; seja na faculdade de direito da USP, seja na militância do MBL, ao PT sempre impus resistência. Não será diferente daqui pra frente.

É importante ilustrar isso posto minha oposição a Bolsonaro, no campo dos valores, nunca foi atrelada a um plano de regresso ao poder de todos aqueles que sempre repudiei. Desprezo Bolsonaro desde sempre por razões que competem apenas a Bolsonaro; o considero burro, preguiçoso, mamateiro e pouco confiável. Minhas conversas com ele sempre confirmaram tais impressões, e minha experiência política no impeachment de Dilma Rousseff apenas atestaram o óbvio.

Bolsonaro jamais participou das articulações ou dos movimentos que deram fim ao governo da petista. Vivia de “gansar” — aparecer nos atos após eles estarem feitos — para discursar, chutar pixulecos e fazer imagens para suas redes sociais. Seu trabalho anti-petista foi nulo, e seu apelido dentre os parlamentares mais engajados era o de “papagaio de pirata”, posto que vivia de aparecer em canto de foto em eventos para os quais não era convidado.

Bolsonaro parasitou tudo o que pôde — atos, campanhas, lava-jato, teses, personalidades, fotografias. Fez isso para se apropriar do fenômeno, atacar os concorrentes e se firmar como figura única, catalisadora de um processo. Enquanto usurpador e farsante, obteve sucesso. Foi eleito presidente por conta disso. Enquanto representante das teses, porém...a história foi bem outra.

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Meus haters não terão condições de afirmar que o Brasil melhorou sob Bolsonaro. Nenhuma das bandeiras defendidas antes das eleições obtiveram êxito, do combate à impunidade, ao fim das mamatas e privilégios; do governo sem centrão às reformas e privatizações que não vieram; do repúdio aberto à doce vida dada pelo poder até o recrudescimento de leis penais contra a bandidagem. Mais que falhar, Bolsonaro trabalhou ostensivamente para destruir todas estas causas, seja por pressão do centrão pelo qual se vendeu, seja por oportunismo barato e vontade de poder.

É, portanto, um contrassenso apoiar seu governo — mesmo antes de suas reiteradas tentativas de golpe, compra da imprensa e sabotagem às vacinas. Quem ainda o apoia, o faz por algum tipo de amor ao homem, paixão descabida que ultrapassa qualquer capacidade de reflexão. Amam Bolsonaro mesmo que Bolsonaro cometa os mais insidiosos crimes. Morrem, portanto, as causas; vive, assim, o mito. Por isso a comparação com o lulismo: tudo é válido no culto ao líder maior. 

Muitos bolsonaristas, porém, quando se vêem sem argumentos diante dos fatos, partem para premissas mais utilitárias. Justificam seu apoio ao presidente através do medo do retorno de Lula ao poder, como se Bolsonaro — aquele mesmo que traiu todas as causas, tentou um golpe e sabotou vacinas — fosse nosso paladino solitário contra o inimigo vermelho. Tal argumento, porém, faz sentido? Não é o que as pesquisas mostram. 

Levantamentos na última semana detectaram não apenas uma queda de Bolsonaro nas pesquisas, mas um crescimento expressivo em sua rejeição. Com Bolsonaro como adversário direto, Lula alcança os 49%, contra 23% do atual presidente. Outrora destruído, não há razão que justifique o crescimento do petista além do péssimo desempenho do capitão no comando do país. 

A verdade inconveniente é que nossa única chance de evitar o retorno do PT — algo que, imagino eu, até meus críticos mais ferozes desejam — é trabalhar uma candidatura alternativa à de Bolsonaro, que não compartilhe de sua rejeição absurda nem compactue com os crimes cometidos ao longo do seu mandato. Ora, se todos querem evitar o retorno do PT ao poder, imagino que tomarão decisões prudentes nestes sentido, e manter o apoio a Jair não me parece uma hipótese inteligente.

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O presidente, porém, persiste. Compra quem pode, investiga com “sua PF”, aparelha sem medo ou vergonha. Bolsonaro opera para impedir todo e qualquer caminho alternativo, e em seu íntimo até torce para o retorno de Lula. A vitória do petista lhe permite aplicar suas teses golpistas, além de manter a base aquecida através de teses exóticas e teorias conspiratórias. O absurdo e o caos são bons para quem vive de conflito. É por isso que Bolsonaro quer Lula, e Lula quer Bolsonaro. 

Em termos mitológicos, Bolsonaro é, para a direita brasileira, como o grande mito das serpentes que pulula pelas mais diversas mitologias. Na religião védica, a serpente é Vritra, aquela que impede o rio de fluir e os campos de se tornarem férteis e verdejantes. Ao grande herói Indra cabe o papel de destruir este monstro obstrutor, aquele que impede o andamento da história. É como o “encosto” nas religiões de matriz africana. Se dele não nos livrarmos, não iremos a lugar algum.

As eleições se aproximam. Retirar Bolsonaro do poder, além de moral, é utilitário. Com ele, partimos para uma vitória certa de Lula e do PT. Sem ele, abra-se o campo — destrava-se o rio — para que o Brasil que renega o petismo construa seu caminho. E é isto que este colunista, humildemente, propõe: vencer sem Bolsonaro, como fizemos entre 2014 e 2018, ou perder com ele, como vem acontecendo desde que o encosto assumiu o poder. É questão de honra — e inteligência — para todo antipetista que se preza.