Eu liguei nos Pingos nos Is, na Pan, e descobri que existem apenas dois candidatos em 2022. “É Lula ou Bolsonaro”, dizia José Maria Trindade, e parecia não existir alternativa à dualidade vomitada pelo comentarista. Me senti embrenhado na mata escura, perdido, sufocado pela folhagem e pelo ar abafado. Pensei ser pânico, mas isso aí passa na hora do almoço. Não havia escapatória. Ou você rouba o país com Lula, ou assalta o Brasil com Bolsonaro.
Gosto de divagar sobre essas coisas, pois as pessoas, em geral, não se dão conta das certezas proferidas pelos comentaristas políticos e formadores de opinião. O jornalista em questão usava terno, e um letreiro enorme ocupava um quarto da tela com informações importantes (horário, logotipo e notícias bombásticas). Parecia ser algo bastante sério, e alguém com um letreiro desses só poderia ser extremamente qualificado. Ele dizia que Sérgio Moro “começou mal” sua jornada até a presidência, visto que “políticos que apoiaram Bolsonaro” estavam presentes em seu lançamento.
Havia certa ironia no olhar do jornalista, como se ele quisesse mostrar a todos que por trás daquele letreiro havia um homem mordaz. Trindade desmascarava a hipocrisia do ex-juiz, agora candidato, que propõe uma “nova política” aliando-se a tipos como Joice Hasselmann e Luís Miranda. Fiquei confuso — o evento era aberto, e até notórios Bolsonaristas estavam presentes. Mas, caso fosse um adepto do presidente, certamente aplaudiria a análise de Trindade. “Pro inferno esse juiz traíra”, eu diria, e voltaria à programação normal de combate às vacinas.
O problema é que não gosto de Bolsonaro, tudo mundo sabe disso, e até você que me lê e me despreza já notou, então seria perda de tempo dizer aqui, a todos, que não percebo o ardil do jornalista e seu letreiro. Mas tento, confesso, tento com todas as forças, me esforço como um louco para entrar na mente de um bolsonarista e fingir, ainda que por alguns instantes, que a realidade paralela produzida por seus prosélitos possui alguma aderência na realidade.
Trindade quer que eu creia que é absolutamente normal que o presidente que enfrenta o sistema, o senhor valentão, o capitão coragem, se filie ao PL de Valdemar da Costa Neto. Ele imagina que todo mundo ache incrível que o mandatário-mor dê calote em dívidas do estado brasileiro pois está, veja só!, apaixonado pela ideia de distribuir grana aos seus aliados através de emendas secretas que terminam superfaturadas em praças, tratores e obras que ninguém precisa.
Trindade não é um mestre das palavras e me pergunto se ele tem realmente ideia do papel que é obrigado a cumprir nessa labuta diária de informar o cidadão brasileiro sobre as notícias mais favoráveis ao presidente. Acho que não, ele foi levado pelo fluxo e as coisas vão passando, as curtidas são muitas, a audiência é grande, todo mundo acha que é normal e no fim do dia defendemos todos uma modalidade turbinada de mensalão pois… sei lá, é isso o que patriotas fazem por aqui.
Minha jornada bolsonarista durou alguns minutos, terminou quando uma jogadora de vôlei apareceu com cara de inteligente no ar elogiando alguma coisa do governo, e talvez a gente não perceba o nonsense todo da situação. Eu acho que o Brasil já não faz sentido algum, é como um filme que passou pelas mãos de muitos diretores e o corte final já não apresenta coerência alguma, você não sabe mais se é humor ou tragédia, termina rindo de cenas tristes pois já não sabe mais o que é certo ou errado. Mas é fato, realmente querem que eu escolha entre Lula e Bolsonaro, e se eu não quiser, o errado sou eu.
Eu queria muito viver nesses programas de rádio das emissoras governistas, a gente está quase sempre lutando por liberdade e enfrentando inimigos incríveis, é como um filme adolescente de aventura, só que a gente sempre perde no final. Me lembro de ver essa rádio falando de voto impresso, apresentando provas obtidas com um youtuber, com uma especialista cuja irmã também sabe tudo sobre cloroquina e que revolucionaria o sistema eleitoral brasileiro. Não sei bem o que houve, mas o presidente reconheceu que a tal urna funciona e os próprios deputados dele não resolveram checar o tal código-fonte da urna, então imagino que está tudo bem.
Eu não posso dizer se está bem ou não, acho que está uma droga, mas a culpa é minha e de todo mundo que não quer acreditar que só temos Lula e Bolsonaro em 2022. Talvez tenha culpa no cartório, não sou exatamente um santo, então a gente tem sempre que duvidar. Seria bom se colocassem um letreiro na minha frente, talvez as pessoas acreditassem em mim e eu contasse pra todas elas que você não precisa votar em Lula ou Bolsonaro. Mas aí teria que usar um terno, e não gosto desse tipo de coisa, ainda mais perto do verão. Então deixa que o Trindade cuida disso. Ele está de terno e tem um letreiro. Provavelmente falará a verdade.
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