Ouça este conteúdo
Ai, ai, ai, meu patriota do coração! Meu guerreiro que tentou em vão lotar as ruas do Brasil pela pauta do presidente! Me parece que as coisas não são tão simples quanto julga — e deseja — o mandatário lunático que grita como criança em Brasília.
“O sistema é corrupto”, diz o presidente. Bolsonaro vive de reclamar de forças ocultas que impedem seu governo de se realizar. O que seria tal realização? Não sabemos. Não há plano em Brasília que vá além da própria sobrevivência. O governo Bolsonaro é um não-governo, é mero processo de ocupação sem começo, meio e (eles assim pretendem) fim.
Vazio de propósito, o governo sabotado pelo sistema vive justamente de ceder ao sistema — sem pedir, obviamente, nada em troca. É ridículo notar que Bolsonaro é o presidente que mais entrega emendas e recursos ao congresso, mesmo aprovando muito pouco. Governo algum alcançou tal marca, nem mesmo Dilma em seus últimos dias ou Temer acossado pelo impeachment.
A relação parasitária, portanto, precisa ser compreendida, posto que se relaciona com as campanhas e pleitos mais essenciais de Bolsonaro e sua militância. Há uma espécie de parceria funcional entre o absurdo de suas proposições e o avanço de Lira e seus amigos sobre o orçamento. Uma parceria, creio eu, que não deveria ser ignorada pela massa de patriotas revoltosos que ainda segue o capitão de artilharia.
Vejamos o caso da pandemia. Há uma sequência de declarações negacionistas, teorias conspiratórias, manifestações esvaziadas e tentativas frustradas de golpe. Enquanto Bolsonaro mobilizava imprensa, formadores de opinião e militância para a cloroquina e o combate às vacinas, o Centrão, sempre ele, negociava imunizantes superfaturados sob o teto do ministério da Saúde. O desastre brasileiro — os mais de 550 mil mortos neste pouco mais de um ano — teve sua dose de corrupção, ora apurada pela CPI.
O drama mescla corrupção com obscurantismo, face óbvia do centrão de nióbio que caracteriza o coração de Bolsonaro. Chegamos, nos últimos meses, a nos perguntar: será que nunca foi negacionismo…era apenas ladroagem? Veremos — os fatos vão se sucedendo e construindo um todo coerente. É fato, porém, que o atraso na compra das vacinas e a entrega do governo ao centrão facilitou as negociações pouco republicanas envolvendo amigos íntimos de Bolsonaro e Michele. Há muita verdade a ser conhecida, e ela vos libertará. É o que esperamos na CPI.
Tal modelo de “parceria”, baseada no espetáculo vazio de Bolsonaro e na ação corrupta das hienas do centrão, se repete na campanha governista do momento, o dito “voto impresso”. Há, como na pandemia, uma sequência de declarações mentirosas, teorias amalucadas e manifestações inócuas. A tese, doentia, serve para fundamentar um golpe, ou sublevação popular, conforme pretendido pelo presidente. Enquanto o capitão reformado mobiliza imprensa, formadores de opinião e militância para a impressora na urna e acupuntura com árvores, o Centrão, sempre ele, propõe uma destruição completa do sistema eleitoral brasileiro. O desastre da pandemia se repete, validando o padrão.
A madrugada da última quarta-feira foi recheada de manobras do grupo político de Arthur Lira em nome do vale-tudo nas próximas eleições. O presidente da Câmara, queridinho dos que me criticam aqui nos comentários (não vale abandonar o aliado, ein!), propõe nada menos que fundão de 6 bilhões, distritão, comícios, boca-de-urna, afrouxamento no uso do fundo, ausência de fiscalização e até descriminaliza a compra de votos. Seria um retorno ao começo do Século XX — não tivesse Bolsonaro feito isso antes com sua revolta da vacina.
A manobra do alagoano não conta com uma declaração sequer dos “comentaristas políticos” a serviço do governo. Como carpideiras do planalto, cumprem seu papel no escambo de opinião dando vazão à maluquice do voto impresso. O golpe, real, tal qual o superfaturamento e a sabotagem das vacinas, passa ao largo. É a cortina de fumaça presidencial servindo ao mais abjeto fisiologismo — quando não à corrupção pura — dos aliados maiores do governo federal.
Me pergunto: como pode sua massa militante ser tão obtusa a ponto de não perceber o que acontece? Aqueles que se alinham nas colunas bolsonaristas do último domingo, senhores e senhoras de idade iludidos por notícias falsas, até vá lá. Mas ainda existe — subsiste — um estrato de equivocados silenciosos que prefere não ver o assalto à luz do dia orquestrado pelo dito “sistema”, o mesmo que o presidente jurou combater. O país está entregue ao que há de pior em termos políticos, situação de terra arrasada e imoralidade total jamais igualada. Estamos à deriva, e os tubarões assumiram o comando do bote. Não há chance alguma de sucesso.
A pergunta, talvez, seja meramente retórica. O bolsonarista, antes de tudo, é um apaixonado. Só queria um Lula para chamar de seu. Na prática, permanecerá calado, passivo, roubado mansamente, enquanto se encanta com os olhos verdes e confusos do seu amor com faixa presidencial. É relação abusiva, coisa comum por aqui. Só não invoquem a Maria da Penha quando a conta chegar…