O anúncio do “Renda Brasil”, na última terça-feira, foi revelador. O ministro da economia, mais palestrante que gestor, trouxe à baila sua curiosa engenharia de gastos, cavucando espaço inexistente no orçamento para bancar o plano de reeleição de seu amo — mais candidato que presidente da república.
Guedes propôs, em síntese miúda, arrochar a classe média produtiva em prol do distributivismo eleitoreiro; quer acabar com as restituições de educação e saúde no imposto de renda, gerando “espaço fiscal” (leia-se malabarismo) para gastos na casa da centena de bilhão no Bolsa Família vitaminado de Bolsonaro.
Aqui explano: a conta chegaria para você, trabalhador formal, pequeno empresário ou autônomo. Você que carrega o Brasil nas costas, paga impostos escorchantes e não recebe nada em troca; você que gasta o pouco que resta do seu orçamento mensal em uma escola para seus filhos ou plano de saúde para sua família. É você, especialmente você, quem pagará esta conta. Para Guedes, você financiará a reeleição de Bolsonaro.
O plano morreu cedo. Em coletiva de imprensa, nesta quarta-feira, o presidente espinafrou a sugestão do seu ministro; afirmou que o “pobre não pode bancar o paupérrimo”, de olho no impacto político da medida em seu eleitorado. Mas em essência, o que o presidente propõe é quase o mesmo: a “geração de empregos” e investimentos — concentrados no Nordeste — irá impactar, ao fim do dia, nos mesmos setores produtivos da sociedade. Só não soará tão óbvio.
Imagino o espanto daquele eleitor do centro-sul, convicto na palavra do “capitão”, quando entender o recado que trago aqui. Sei que muitos vacilarão, tratando de atacar o mensageiro mesmo diante de importante alerta. Mas a verdade se impõe quando a conta chegar. O Bolsonaro que dizia que “a mamata acabou”, que “os vagabundos iriam pagar”, tornou-se artífice do maior estelionato eleitoral da história do país. Um estelionato de deixar qualquer um atônito. O torpor causado por sua mentira — o espanto de tamanha enganação — deixará seu (antigo) eleitorado paralisado por algum tempo. Simplesmente não conseguirão processar o que se sucedeu. Mas ajudo a decifrar o estratagema — e o trauma político.
A vitória eleitoral de Bolsonaro foi, antes de tudo, uma vitória do anti-petismo. Foi triunfo de um Brasil derrotado sucessivamente nas eleições pregressas, vítima de um populismo sectário e polarizador. Melhor dito, um lulismo de resultados que cindiu o Brasil em 2: o norte e nordeste petista, beneficiário do assistencialismo e das obras públicas; e o sul e sudeste “fascista”, que deveria pagar a conta e fazer-se representado por um anêmico tucanato.
Tal modelo político colapsou sobre suas próprias contradições. Veio 2013 e a rebelião da classe média, indisposta com a corrupção e já sentindo os efeitos da crise econômica; em 2016 este mesmo grupo apeou Dilma Rousseff do poder; em 2018 elegeu seu representante. Esperava-se, portanto, uma mentalidade diferente a governar o Brasil: a ideia de que deveríamos atacar privilégios, favorecer os que produzem, promover o crescimento através do trabalho.
A trinca Bolsonaro-Moro-Guedes representava, no imaginário do eleitor, a imposição da visão de mundo dos vencedores — natural em uma democracia — em detrimento da perspectiva dos vencidos. Chegara a hora de um novo caminho. Iniciava-se a “Nova Era”.
A traição
À primeira vista soa pueril esperar que um sindicalista dos militares, que jamais trabalhou na iniciativa privada e sempre votou favorável a seus privilégios, iria liderar tamanha revolução. Mas urnas são urnas, e o eleitorado se enamorou por sua retórica. Conforme esperado, tão logo eleito, o discurso chocou-se com a realidade, e o verdadeiro Bolsonaro aflorou: protegeu militares, defendeu privilégios, sabotou a reforma administrativa e aliou-se ao centrão.
Pragmático, voltou os olhos para 2022, tendo na proteção dos filhos e Michele o calcanhar de Aquiles exposto; através desta fragilidade, negociou suas promessas na bacia das almas, entregando-se ao sistema que jurou combater. Naturalmente, o casamento com o fisiologismo tem lá sua lógica; a noiva se atrai por gastos públicos e obras — entregues ou não — em seu reduto eleitoral. Assistencialismo, quando compartilhado com aliados, também é bem vindo. Em resumo, o novo Bolsonaro que surge é mera repetição de velhas fórmulas, com tempero à moda militar, inspirado no velho Geisel.
O auxílio-emergencial é a ponta do iceberg: turbina a aprovação no nordeste e abre espaço para que Bolsonaro faça escolhas. Escolher, para o presidente, é um luxo; este mesmo Bolsonaro se via sem caminho meses atrás, no início da pandemia. Perdia seu eleitorado nos grandes centros urbanos e via o impeachment se aproximar. Caminhar por entre os miseráveis, com gibão de couro e chapéu de cangaceiro, é dádiva dos céus; o Renda Brasil será chuva (de votos) no sertão.
Nesta nova configuração, Guedes é alegoria de um tempo que se foi. Serve, quando muito, para propor malabarismo orçamentário que não será levado a sério. E veja, ele sabe disso. Tal proposição — taxar quem nele acreditou — é manobra desesperada de alguém que ainda procura razões para justificar a própria permanência. De tão absurda, nem Bolsonaro (o presidente cloroquina) aceitou.
Desprestigiado, o vaidoso Paulo Guedes pode ao menos chamar a medida de profética. Ela antecipou, desajeitada, a lógica econômica dos próximos dois anos de governo federal. Será dinheiro no nordeste — a todo custo — e derrama no centro-sul. E ai se reclamar, comunista! Será traidor da pátria e aliado eterno do PT...
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