A retumbante participação de Lula no “PodPah” — espécie de Flow Podcast do Rap — assustou os analistas políticos e estabeleceu um novo patamar de sucesso para os demais candidatos em 2022. Com mais de 300 mil pessoas ao vivo, número muito superior a qualquer coisa produzida por Bolsonaro, o petista discorreu por horas sobre sua história e sua concepção muito particular de Brasil, suficientemente maniqueísta para que fosse compreendida sem rodeios pelo público pretendido.
Lula sabia o que estava fazendo. A participação no programa fora agendada com meses de antecedência, as perguntas foram combinadas e mesmo o palanque — um podcast cujos apresentadores são docemente vazios e resistentes a uma reflexão mais profunda — foi escolhido a dedo para sua participação. Lula não gosta do contraditório; mente quem diz que é um grande debatedor ou polemista. O Flow, conduzido pelo inquieto Monark, seria recheado de perguntas incômodas; Lula queria conversa de comadre, e obteve o que queria no concorrente. Sem oposição, abriu seu discurso vazio para toda uma nova geração.
O cálculo de seus estrategistas é simples. Lula lidera com folga no nordeste e dentre os mais pobres, base fiel que lhe garante colchão de votos seguro até o segundo turno. Para vencer com tranquilidade, precisa amealhar alguns votinhos a mais no sul e no sudeste — que já lidera! — consolidando a ideia de pacificador nacional, inimigo da polarização e provedor de prosperidade material em tempos de pibinho e inflação.
Entrando no detalhe, Lula precisa recuperar a periferia da Grande São Paulo, a Baixada Fluminense e a região adjacente a Belo Horizonte, zonas perdidas pelo petismo em 2018. Uma linguagem menos politizada, mais prática e simplificada, em canais que se comunicam com este eleitorado ( oPodPah entra aí) pode ser o remédio que o petista precisa para atingir, tal qual um sniper, esta fração importante do eleitorado.
É espantoso perceber que, pela primeira vez em anos, um candidato do PT lidera em todos os estados e regiões. Mesmo em São Paulo, Paraná e Santa Catarina, locais avessos ao lulismo, o ex-presidente apresenta importante dianteira, deixando para trás tanto Moro quanto Bolsonaro. É cenário, creio eu, temporário; não imagino (nem Lula imagina) que esta liderança se mantenha até as eleições. Daí vem sua preocupação, acertada, em liquidar a fatura ainda no primeiro turno, ou ao menos virar o jogo nas Minas Gerais e no Rio de Janeiro, para lhe garantir uma vitória segura contra seu adversário.
Parte do plano consiste na estranha simbiose com o outrora adversário Geraldo Alckmin, que migraria para o PSB e comporia sua chapa como vice. O ex-governador lhe supriria duas vantagens: a primeira de ordem narrativa, construindo a ideia (falaciosa) de que Lula deu fim à “polarização” ao construir uma chapa conjunta com seu “inimigo histórico”; a segunda estratégica, posto que o PSB traz consigo, também, governadores nordestinos que “fechariam o pacote” de captação de votos na região preferencial de Lula.
Em São Paulo e no Sul, a aliança buscaria reduzir a rejeição ao candidato e sinalizaria às elites que Lula não pretende esticar a corda como fez Dilma Rousseff. No estado de Geraldo, em particular, o plano seria ainda mais ousado: lançariam pelo PSB o já folclórico Márcio França, no lugar de Fernando Haddad, desmontando as cores carregadas do petismo que sepultam o avanço de Lula. E percebam: a estratégia não precisa de grandes ambições; basta Lula se manter próximo dos 40% em São Paulo que a vitória nacional já estará consolidada.
O cenário é desolador tanto para Bolsonaro quanto para a terceira via. Facilita a vida de Lula o desastre sem fim do atual governo, que agora entra em campanha aberta de apoio à variante Ômicron, se negando a fechar a fronteira para viajantes sem vacina. Não me atenho sequer ao desastre econômico e o retorno da fome; a expressão eleitoral deste fracasso já foi absorvida pela candidatura Lula. Ainda assim, em se tratando de Bolsonaro, todo cuidado é pouco: nada que é ruim demais não pode piorar. A tendência, inclusive, é de piora.
Na terceira via, um apelo exagerado ao combate à corrupção e a insistência em se misturar ao bolsonarismo dão o tom da campanha de Sérgio Moro. Uma campanha sem rumo, ainda, mais esperança que ação; uma campanha sem projeto de Brasil nem respostas para os anseios básicos de um eleitor insatisfeito.
A real, amigos, é que Lula é um profissional jogando em meio à crianças. Um jogo tranquilo, com análise, time e estratégia; com direcionamento óbvio, alianças pragmáticas e construções coerentes. Sei que os leitores desta coluna, aqui na Gazeta, são antipáticos a uma interpretação que reconheça os méritos de seus estratagemas. Confesso, porém, desdenhar de tal comportamento. Não serei eu a aplaudir a burrice da direita enquanto Bolsonaro estende o tapete vermelho para a volta de Lula. Aprendamos, portanto, com os profissionais, antes que seja tarde demais…
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